sábado, 21 de agosto de 2010

A Espiritualidade de Jesus

Hernandes Dias Lopes

   A transfiguração foi uma antecipação da glória, um vislumbre e um ensaio de como será o céu (Mateus 16.28). Aprendemos aqui algumas verdades fundamentais sobre a espiritualidade de Jesus.

1. A espiritualidade de Jesus é fortemente marcada pela oração

   O evangelista Lucas apresentou Jesus como o Homem perfeito. Por isso, registrou com maior ênfase o seu intenso ministério de oração. A oração não era algo periférico e lateral na vida de Jesus. Toda a sua vida foi uma busca pela intimidade com o Pai. Ele tinha prazer em estar com o Pai. Jesus orou no rio, no deserto, no mar, no monte, no jardim, nos lares, na sinagoga, no templo, na beira de um túmulo, na cruz. Orou em momentos alegres e também quando estava tomado de profunda tristeza. Orou ao iniciar seu ministério e orou ao terminar sua obra redentora na cruz. Orou enquanto viveu aqui na terra e agora no céu ainda intercede por nós.

   Jesus subiu o monte da transfiguração com o propósito de orar (Lucas 9.28). A transfiguração veio como resultado de oração. "E aconteceu que, enquanto ele orava, a aparência do seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeceram de brancura" (Lucas 9.29). A oração traz a glória do céu à terra. A oração nos envolve em um clima celestial. Pela oração penetramos além do véu, no santo dos santos, na sala do trono, onde a glória de Deus resplandece.

   A oração é uma via de mão dupla, onde nos deleitamos em Deus e Deus tem prazer em nós. Não apenas Jesus buscava a intimidade com o Pai, mas também o Pai tinha prazer no seu Filho unigênito. "... e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo... " (Mateus 17.5).

   Que pai não se alegra em ver que seu filho tem prazer em estar com ele? Deus nos ama. O amor tem pressa para estabelecer comunhão. Deus procura adoradores. O amor busca a aproximação. Nós somos a delícia e a menina dos olhos de Deus. Ele se deleita em nós com alegria. Alegra-se em nós como o noivo se alegra com a noiva (Isaías 62.4, 5: Sofonias 3.17). Seria muito estranho se um filho procurasse o pai apenas para pedir alguma coisa. Nesse caso, o filho não revelaria amor ao pai, mas apenas um interesse egoísta. A relação com o pai, então, seria meramente mercantilista e utilitarista. A essência da oração é a comunhão com Deus. O maior anseio de quem ora não são as bênçãos de Deus, mas o Deus das bênçãos. A intimidade com Deus é o maior tesouro, a mais gloriosa experiência que podemos ter na vida, é a própria essência da vida eterna (João 17.3). Por isso, Jesus muitas vezes saía para os montes e passava noites inteiras orando ao Pai, longe dos holofotes, afastado do burburinho da multidão, buscando as alturas excelsas da intimidade com o Pai.

   Dois fatos são dignos de destaque na transfiguração de Jesus: Em primeiro lugar, diz o texto que o rosto de Jesus transfigurou-se. Lucas registra: "... enquanto ele orava, a aparência do seu rosto se transfigurou... " (Lucas 9.29). Mateus coloca: "E foi transfigurado diante deles: o seu rosto resplandecia como o sol... " (Mateus 17.2). O nosso corpo precisa ser vazado pela luz do céu. O nosso corpo também precisa resplandecer. Ele é santuário de Deus, onde a glória de Deus deve resplandecer com todo o seu fulgor. O nosso corpo é de Deus: foi feito, comprado e habitado por Deus. Devemos glorificar a Deus no nosso corpo. O rosto é a síntese da nossa identidade. Por ele somos conhecidos. Por ele nos revelamos. A nossa apresentação física precisa ser vazada pelo sagrado. A glória de Deus, a shekiná de Deus, precisa brilhar em nós e resplandecer através de nós.

   Em segundo lugar, diz o texto que as vestes de Jesus também resplandeciam. Mateus afirmou que "... as suas vestes tornaram-se brancas como a luz" (Mateus 17.2). Marcos acrescenta um novo dado: "... as suas vestes tornaram-se resplandecentes e sobremodo brancas, como nenhum lavandeiro na terra as poderia alvejar" (Marcos 9.3). Lucas, de maneira mais sucinta, descreveu: "... e suas vestes resplandeceram de brancura" (Lucas 9.29). As nossas vestes revelam o nosso íntimo, mais do que cobrem o nosso corpo. Retratam o nosso estado interior e demonstram o nosso senso de valores. Elas precisam ser vazadas pelo sagrado. A luz do céu também precisa resplandecer em nossas vestes, que devem ser santificadas. Desde o Éden, Deus estabeleceu a necessidade de vestir-nos com decência. Foi Deus quem fez as primeiras vestes decentes para a mulher e para o homem, em substituição às roupas pouco convenientes que eles estavam trajando. Parece, entretanto, que a palavra de ordem hoje em nossa cultura é despir o homem e a mulher, ou tanger-lhes com roupas cada vez mais sumárias e provocantes.

   É bem verdade que a forma de vestir-se varia de cultura para cultura, de povo para povo e de época para época. Não nos vestimos hoje da mesma maneira que se vestiram os puritanos do século XVII. De certa forma, precisamos andar na moda, para não destoarmos do comum e do normal. Porém, não podemos ser regidos por todas as nuanças da moda. Devemos ser guiados pela Palavra de Deus, que nos recomenda sensatez, bom senso, modéstia e decência nesse campo. Não podemos render-nos aos ditames e caprichos de uma moda que não leva em conta a santidade do corpo: antes, o explora sensualmente, despertando nas pessoas a concupiscência dos olhos.

   Precisamos compreender que o nosso corpo não é para a impureza, mas para o Senhor. Nosso corpo é membro de Cristo. Não temos o direito de defraudar as pessoas com a nossa forma pouco criteriosa de vestir-nos. As nossas roupas precisam ser santificadas.

   Há duas formas de uma pessoa chamar a atenção para si: Quando se distancia demais da moda, a ponto de tornar-se ridícula, e quando é regida por ela, a ponto de perder a decência. E óbvio que não podemos ser legalistas quanto a esta matéria. Não defendemos a santidade medida pela fita métrica. Uma pessoa pode cobrir o corpo da cabeça aos pés e ter um coração sujo e impuro. Todavia, nossas roupas revelam quem somos e para quem nos vestimos.

   Devemos vestir-nos para a glória de Deus. A luz do céu precisa resplandecer também em nossas roupas. O resplendor de Deus precisa penetrar na nossa identidade e nossa revelação. Quem somos e como nos manifestamos, isso precisa estar debaixo da luz de Deus!

   A oração de Jesus no monte ainda nos evidencia outras duas verdades tremendas: Primeiro, na transfiguração Jesus foi consolado antecipadamente para enfrentar a cruz. O grande assunto no topo daquele monte cheio de luz celestial foi o calvário. "Eis que dois varões falavam com ele: Moisés e Elias, os quais apareceram em glória e falavam da sua partida, que estava para cumprir em Jerusalém" (Lucas 9.30, 31). Quando oramos, Deus nos prepara para enfrentar os momentos difíceis da vida. Quando buscamos a face de Deus, somos consolados com antecipação. Pela oração, somos capacitados a enfrentar as dificuldades sem temor. Jesus passaria por terríveis angústias: seria preso, açoitado, cuspido, ultrajado, escarnecido, pregado numa cruz. Mas, pela oração, o Pai o capacitou a beber aquele amargo cálice sem retroceder. Na hora da prova, Pedro fugiu e começou a seguir Jesus de longe. Misturou-se com os ímpios, assentou-se na roda dos escarnecedores e negou a Jesus. Isso porque, em vez de orar, nas horas mais cruciais Pedro estava dormindo. Dormindo no monte da transfiguração e dormindo no vale do Cedrom, no Getsêmani. Quem não ora não tem poder para enfrentar as grandes tensões da vida. Quem não ora desespera-se na hora da aflição. A oração abre para nós as janelas do céu e canaliza em nossa direção as torrentes caudalosas das consolações que emanam no trono de Deus. E pela oração que triunfamos. Através dela somos capacitados com poder para cumprir o nosso ministério. Sem oração, o nosso coração desmaia no vale da crise. Sem oração, fraquejamos ao sinal da primeira turbulência. Sem oração, perdemos a provisão do céu, ficamos vazios de poder e impotentes para triunfar nos tempos de aflição. A oração nos coloca acima das nuvens tempestuosas, nos eleva acima dos problemas.

   No dia 1º de dezembro de 1982, recebi a notícia do falecimento do meu pai. Nesse tempo eu era pastor na Primeira Igreja Presbiteriana de Bragança Paulista, em São Paulo. No outro dia bem cedo, tomei um avião em Congonhas em direção a Vitória. Era uma manhã chuvosa. As nuvens estavam densas e escuras. Meu coração apertado parecia sintonizado com o aspecto melancólico daquele dia. Tão logo o avião decolou, atravessou o nevoeiro denso e lá em cima tudo estava ensolarado e brilhando. As nuvens pardacentas haviam ficado embaixo. Naquele momento, Deus ministrou uma palavra de consolo ao meu coração. Quando buscamos o abrigo da intimidade com Deus, através da oração, cruzamos também as tempestades da vida e recebemos consolo e forças para enfrentar as aflições.

   Em segundo lugar, em resposta à oração de Jesus, o Pai confirmou o seu ministério. Os discípulos, desprovidos de entendimento espiritual, nivelaram Jesus com representantes da lei e dos profetas, igualaram Jesus a Moisés e a Elias. Jesus, porém, não discute, não faz diante deles uma apologia em defesa de sua divindade. Ele simplesmente ora e o Pai incumbe-se de corrigir a distorção teológica de Pedro. "Então, disse Pedro a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui: se queres, farei aqui três tendas: uma será tua, outra para Moisés, outra para Elias. Falava ele ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu: e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi" (Mateus 17.4, 5). Marcos registra: "E de relance, olhando ao redor, a ninguém mais viram com eles, senão Jesus" (Marcos 9.8).

   Quando você ora, Deus honra você. Você não precisa defender-se, você precisa orar. A oração vale mais do que mil argumentos. Não é preciso defender a sua honra, é preciso cultivar a sua intimidade com Deus. Você não precisa brigar por seus direitos, você precisa estar diante do trono. Você não precisa lutar para agradar as pessoas, você precisa agradar o coração do Pai. Quando você dá prioridade a Deus em sua vida, ele honra você diante das pessoas, defende a sua causa e o exalta até mesmo diante dos seus adversários. Quando você cuida da sua piedade, Deus cuida da sua reputação. Quando o profeta Daniel foi alvo da conspiração de seus inimigos, ele não revidou com as mesmas armas, a fim de desmascarar os seus desafetos: ele simplesmente orou, e Deus o honrou. Pedro, no Getsêmani, por desprezar o poder que vem através da oração, usou contra o soldado romano a força da carne e, com a sua espada, cortou a orelha de Malco. Muitas brigas, contendas e disputas no lar, na igreja e na sociedade acontecem porque buscamos defender a nós mesmos quando somos atingidos, em vez de orar. A oração não apenas desestabiliza e desarticula o poder do mal contra nós, mas também aciona o poder do céu em nossa defesa. Quando cuidamos das coisas de Deus, ele cuida das nossas coisas. Quando cuidamos do nosso relacionamento com Deus, ele cuida da nossa reputação.

   Além de não defender seu ministério, Jesus não tocou trombetas para propagar suas gloriosas experiências. Sua espiritualidade não era autoglorificante. Vejamos como Mateus registra esse fato: "E, descendo eles do monte, ordenou-lhes Jesus: A ninguém conteis a visão, até que o Filho do Homem ressuscite dentre os mortos" (Mateus 17.9). A espiritualidade que faz propaganda de seus feitos, que alardeia suas experiências e enaltece a si mesma é doentia. Os fariseus gostavam de tocar trombetas para alardear suas virtudes. Eles aplaudiam a si mesmos. Colocando-se no pedestal, faziam a si mesmos os maiores encômios e elogios. Não se contentavam apenas em anunciar suas virtudes, mas tinham um prazer mórbido de denunciar os pecados dos outros. Jesus os confrontou com firmeza. Mostrou a falsidade da sua espiritualidade. A humildade deve ser a marca registrada da verdadeira espiritualidade. Quem tece elogios a si mesmo revela uma espiritualidade trôpega. Quem busca o aplauso dos homens ou tenta impressionar as pessoas com a sua espiritualidade precisa usar máscaras para esconder a sua glória desvanecente.

2. A espiritualidade de Jesus é marcada pela obediência ao Pai

   A obediência absoluta e espontânea ao Pai foi o apanágio da vida de Jesus. Na economia da redenção, ele se dispôs a abrir mão da sua glória, tornando-se homem e sujeitando-se aos desígnios soberanos do Pai.

   No conselho da Trindade, Jesus ofereceu-se para vir ao mundo e dar sua vida em resgate daqueles a quem o Pai escolhera antes da fundação do mundo. Jesus veio ao mundo para morrer. A cruz foi o alvo que esteve sempre diante dos seus olhos. Nada demoveu Jesus do caminho do calvário. A cruz para ele não foi um acidente, uma surpresa. Ele não morreu como um mártir. Ele declarou: " [a minha vida] ninguém a tira de mim: pelo contrário, eu espontaneamente a dou". Jesus foi para a cruz a fim de cumprir um propósito eterno do Pai. Jesus morreu porque o Pai o entregou por amor. Deus não poupou o seu próprio Filho: antes, por todos nós o entregou. Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Não havia outro caminho possível para a nossa salvação, senão a cruz de Cristo. Fora da cruz de Cristo, não há esperança para o homem.

   Portanto, ao vir ao mundo, Jesus veio como enviado do Pai, para morrer em nosso lugar e em nosso favor. Essa foi sua missão. Moisés e Elias, representantes da lei e dos profetas, apareceram no monte da transfiguração, conversando com Jesus sobre sua partida para Jerusalém que estava prestes a cumprir-se (Lucas 9.30, 31), ou seja, falavam sobre sua morte na cruz. A palavra usada neste texto para partida é êxodos. O êxodo foi a libertação do povo de Israel do cativeiro egípcio. Com o seu êxodo, Jesus nos libertou do cativeiro do pecado. Sua morte nos trouxe vida. Pelas suas pisaduras fomos sarados. O êxodo de Jesus para Jerusalém, para o calvário, para a cruz, foi a pauta da reunião no monte da transfiguração. Jesus não fugiu do assunto. Ele não mudou a conversa. Não alterou seus planos nem sua agenda. Submeteu-se inteiramente ao propósito eterno do Pai. Logo que desceram do monte, Jesus libertou o menino possesso e, diante do espanto e entusiasmo de todos com o seu extraordinário poder, disse para os seus discípulos: "Fixai nos vossos ouvidos as seguintes palavras: o Filho do Homem está para ser entregue nas mãos dos homens" (Lucas 9-44).

   Jesus está determinado a cumprir cabalmente a sua missão. Ele caminha na direção do calvário. Ele não foge da cruz. Sabe o que vai acontecer. Conhece o que está sendo tramado contra ele nas caladas da noite. Tem consciência da orquestração que os homens maus, mancomunados, estão fazendo para condená-lo à morte. Ele conhece a avareza de Judas, a inveja dos sacerdotes, a covardia de Pilatos, a volubilidade da multidão, a frieza dos soldados romanos. Mesmo sabendo que sua hora estava chegando, que o caminho para a cruz se afunilava, ele não recuou. Pelo contrário, Lucas registra: "E aconteceu que, ao se completarem os dias em que devia ele ser assunto ao céu, manifestou, no semblante, a intrépida resolução de ir para Jerusalém" (Lucas 9.51).

   Jesus caminha para a cruz como um rei caminha para a coroação. Antes de ser levantada no topo do Gólgota, a cruz foi cravada no coração de Jesus e podia ser vista no seu próprio semblante. Até mesmo os samaritanos conseguiram discernir a intrépida e resoluta decisão de Jesus de ir para Jerusalém (Lucas 9.53). Quando Jesus chegou a Jerusalém, estabeleceu um memorial, a Santa Ceia, para que a igreja relembrasse a sua morte até a sua segunda vinda (Lucas 22.19, 20). Ao descer ao Vale do Cedrom, no sopé do Monte das Oliveiras, no Jardim do Getsêmani, Jesus travou uma batalha de sangrento suor. E qual foi o propósito daquela profunda angústia de Jesus? Fazer a vontade do Pai (Lucas 22.39-46)!

   A espiritualidade de Jesus foi timbrada pela obediência ao Pai. Ele andou em sintonia com a vontade do Pai. Quando estava para entregar-se como sacrifício pelos nossos pecados na cruz, orou ao Pai, dizendo: "Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer" (João 17.4). Agora, deitado no leito vertical da morte, suspenso entre a terra e o céu, bradou com triunfo: "Está consumado! E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito" (João 19.30).

   Hoje muitas pessoas desenvolvem uma espiritualidade mística, carismática, mas sem obediência. São fervorosas no culto, mas desonestas nos negócios. Moralistas na igreja, mas carnais em casa. Carismáticas na liturgia, mas contraditórias na ética. Têm carisma, mas lhes falta caráter. Têm dons, mas não têm o fruto do Espírito.

   Quando Jesus concluiu o sermão do monte, alertou para o perigo de uma religiosidade fervorosa, porém divorciada da obediência: "Muitos, naquele dia, hão de dizer: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci! Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade" (Mateus 7.22, 23). Essas pessoas tinham ortodoxia: chamaram Jesus de Senhor. Eram fervorosas: exclamaram Senhor, Senhor! Eram carismáticas: tinham dons extraordinários, profetizavam e operavam milagres. Eram exorcistas: expeliam demônios. Faziam tudo isso em nome de Jesus: mas, ao mesmo tempo, praticavam a iniqüidade (Mateus 7.23). Por isso, não eram conhecidas pelo Senhor e precisavam apartar-se para sempre da sua presença (Mateus 7.23).

   Deus requer do seu povo obediência. Quem pode rebelar-se contra o Todo-poderoso e prevalecer? Quem pode insurgir-se contra a Palavra do Deus vivo e ainda ficar de pé no dia do juízo? Ou obedeceremos a Deus para viver em glória com ele, ou seremos banidos para sempre da sua presença (2 Tessalonicenses 1.7-10).

3. A espiritualidade de Jesus é marcada por poder para desbaratar as forças do inferno

   O ministério de Jesus foi profundamente comprometido com a libertação dos cativos (Lucas 4.18). Ao mesmo tempo que Jesus é o libertador dos homens, também é o atormentador dos demônios. Ele andou por toda a parte libertando os oprimidos do diabo (Atos 10.38). Diante dele os demônios devem prostrar-se, calar-se e depois bater em retirada. Os demônios jamais puderam resistir à autoridade de Jesus.

   Jesus disse à casta de demônios que atormentava aquele menino: "Sai... e nunca mais tornes a ele" (Marcos 9.25-27). O poder de Jesus é absoluto e irresistível. Ante à autoridade da sua Palavra, o diabo e suas hostes precisam baixar a crista e retirar-se, vencidos. O menino foi libertado, as algemas foram quebradas, os grilhões foram despedaçados, e a glória de Deus se manifestou onde antes só se viam os sinais da escravidão do inferno.

   Tenho visto muitas pessoas escravizadas pelo poder dos demônios. Era um domingo de manhã. Eu ministrava um estudo bíblico na Escola Dominical da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória, quando fui chamado às pressas para atender a uma emergência no pátio da igreja. Uma mulher chegara ali possessa, furiosa, indomável. Algumas pessoas de destacado vigor físico tentaram segurá-la. Ela se contorcia e rangia os dentes. Ao chegar à sala para onde a levaram, o demônio foi logo esbravejando: "Eu não saio daqui. Ela é minha. Eu vou destruí-la". Na autoridade do nome de Jesus, dei ordens ao espírito maligno para que se retirasse dela, e a mulher imediatamente caiu ao chão, livre, liberta, sem saber onde estava. O seu estado físico era tão crítico que a pobre não conseguia ficar de pé. Estava debaixo de um domínio opressor. Era um capacho do diabo. Mas Jesus a libertou. Há poder no nome de Jesus. Diante dele todo joelho tem de dobrar-se no céu, na terra e debaixo da terra.

   Há alguns anos, entrou em meu gabinete pastoral uma jovem aparentando uns vinte e cinco anos. Oriunda de um lar evangélico, afastou-se da igreja e não tardou para envolver-se com o espiritismo. Contou-me sobre as perturbações que começou a sentir depois que se enredou com práticas ocultistas. A depressão, o medo, a solidão e o sentimento avassalador de autodestruição dominavam a sua mente. Depois que ela partilhou comigo sua amarga experiência, comecei a falar-lhe da sua necessidade de voltar para Deus e da libertação que Jesus oferecia. Nesse momento, a jovem petrificou-se na minha frente, ficando imóvel como uma estátua. Tomada por entidades malignas, não conseguia ouvir a Palavra de Deus. Então, em nome de Jesus, ordenei ao espírito maligno que a deixasse. Ao ser a jovem libertada, Deus restaurou a sua mente, e ela se voltou para o Senhor.

   Mesmo o poder mais violento e destruidor do inferno está sob a autoridade de Jesus. Era noite e os discípulos tinham acabado de passar por uma borrascosa tempestade no mar da Galiléia. Aportaram em Gadara, região cheia de desfiladeiros. O local era sombrio, à beira de um cemitério. De repente, apareceu um homem louco, desvairado, nu, sangrando, ferindo-se com pedras, com o semblante desfigurado, tomado de fúria. A cena era pavorosa. Ninguém ousava passar por aquele caminho. Aquele homem tinha dentro de si uma legião de demônios. Nem com cadeias ele podia ser detido. A família já havia desistido dele. Ele andava de dia e de noite gritando entre os sepulcros. Era uma ameaça à ordem social, um monstro celerado, uma horda de demônios debaixo de pele humana. Jesus vai à terra de Gadara apenas para libertar essa pobre vítima do inferno.

   Ao ver Jesus, o possesso prostrou-se aos seus pés, tremendo de medo. Os demônios sentiram-se acuados e atormentados na presença de Jesus. Um fato estranho ocorre na narrativa: Os demônios pedem para Jesus não mandá-los para fora do país, mas para uma manada de dois mil porcos que pastavam nos arredores. Jesus atendeu ao pedido dos demônios. E por que Jesus atendeu a esse pedido? Por três razões: Primeiro, para mostrar-nos o terrível poder destruidor que estava dentro daquele homem. Aquele homem louco tinha dentro de si uma legião de demônios. Legião era um grupo de soldados romanos composto de seis mil homens. Havia uma corja infernal, composta de seis mil demônios, instalada dentro daquele homem. Sua vida se tornara um inferno existencial. Havia dentro dele um terrível poder destruidor. Segundo, para revelar a inversão de valores do povo de Gadara. Aquele povo dava mais importância aos porcos do que às pessoas. Quando os gadarenos viram o homem liberto e os porcos mortos, expulsaram Jesus da região. Eles amavam mais os porcos do que a Deus. Amavam mais os porcos do que os homens, mais as riquezas do que as pessoas. Terceiro, para demonstrar que os demônios também estão debaixo da sua autoridade. Os demônios foram para onde Jesus os mandou. E só foram porque Jesus assim ordenou. Eles estavam debaixo das ordens de Jesus. Diante de Jesus, até os demônios se dobram.

   Para Jesus não há caso irrecuperável. Não há causa perdida. Não há cativeiro tão resistente que ele não possa estourar. Jesus fez daquele homem atormentado e escravizado pelos demônios uma pessoa livre, lúcida, restaurada, útil para a sua família e um missionário em sua terra. Antes, ele era um problema para a família: agora, deve anunciar a todos o que Deus fez por ele. Antes, uma maldição: agora, uma bênção. Jesus tirou-o das profundezas do abismo e lançou-o como portador de boas-novas de salvação. Transformou-o de um agente do inferno em um embaixador do céu.

   A intervenção libertadora de Jesus na vida do menino possesso, que os apóstolos não conseguiram libertar, trouxe de igual modo benefícios esplêndidos: Primeiro, o menino foi curado (Lucas 9.42). Sua mente perturbada foi restaurada. Seu corpo machucado, ferido por ser tantas vezes jogado na água, no fogo e por terra, encontra descanso. Sua alma oprimida, arrastada com violência para direções opostas, foi serenada. A cura física, psicológica, emocional e espiritual raiou na vida daquela pobre criança. Em segundo lugar, o menino foi devolvido ao seu pai (Lucas 9.42). Onde o diabo domina, há desintegração da família. Ele é intruso, ladrão e opressor. Onde ele se enfia, feridas são abertas, a paz é roubada, a comunhão acaba e a harmonia da família é sacrificada. Por isso, ao curar e libertar o menino do demoníaco poder opressor, Jesus o devolveu aos braços daquele que realmente o amava e por ele sofria. A libertação de Jesus traz restauração para a família. Em terceiro lugar, a ação libertadora de Jesus estende sua abrangência para além dos limites da pessoa e da família. Diz o evangelista Lucas que "todos ficaram maravilhados" (Lucas 9.43) ao ver o menino liberto. A libertação do cativo e a restauração da família são um testemunho poderoso para o povo, um extraordinário impacto na sociedade. Finalmente, a ação libertadora de Jesus não apenas tem grandes reverberações na terra, mas também alcança o céu. A ação de Jesus não apenas abençoa os homens, mas também promove a glória de Deus. Lucas diz que "todos ficaram maravilhados ante a majestade de Deus" (Lucas 9.43). Na verdade, o fim último e principal da obra libertadora realizada por Jesus é a manifestação e a promoção da glória de Deus. Toda a manifestação de poder deve levar as pessoas a ficar maravilhadas com a majestade de Deus.
A CONCLUSÃO

   À luz do que vimos até aqui, podemos afirmar que a verdadeira espiritualidade tem algumas marcas distintas. Primeiro, ela é cristocêntrica (Mateus 17.5). O próprio Deus fala do céu, evidenciando que Cristo deve ser a pessoa central da nossa devoção. Segundo, ela é centralizada na cruz (Lucas 9.31). A cruz é a síntese, a essência e o conteúdo do evangelho. Terceiro, ela deságua na obediência à voz de Deus (Mateus 17.5). A voz de Deus que emanava da nuvem luminosa era: "... este é o meu Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi". Não há verdadeira espiritualidade sem obediência a Jesus. Quarto, ela afasta o medo de Deus (Mateus 17.6, 7). Deus não está distante. Podemos ter intimidade com ele. Podemos aninhar-nos debaixo de suas asas e refugiar-nos no seu colo.

   Vimos na narrativa da transfiguração as faces da espiritualidade: êxtase sem entendimento, discussão sem poder, e a espiritualidade de Jesus, timbrada pela oração, obediência e poder.

   Que tipo de espiritualidade é a sua: No monte, mas sem discernimento? Uma fuga sem enfrentamento? Agarrado no sono e não na oração? No vale, mas sem poder? No meio do povo, mas sem autoridade para ajudar os aflitos? No meio da multidão, mas sem poder sobre as hostes do inferno? Discutindo grandes assuntos, com a cabeça cheia de luz, mas com o coração vazio de fogo e desprovido de autoridade espiritual?

   Creio que a experiência dos discípulos que subiram com Jesus ao monte retrata claramente muitos cristãos de nossos dias. São pessoas que andam com Jesus, que estão perto de Jesus, que vêem coisas que os outros não vêem, que ouvem a voz de Deus com clareza, mas não levam uma vida intensa de oração. Até possuem grandes experiências sensitivas, sobem às alturas excelsas do emocionalismo, mas estão desprovidos de entendimento espiritual. Vemos hoje uma igreja que quer sentir, e não conhecer, uma igreja que quer ter arrebatamentos emocionais, não discernimento profundo.

   Por outro lado, há aqueles que vivem discutindo os grandes assuntos da teologia com outros que se julgam donos da verdade, mas estão áridos como um deserto. São pessoas que sabem muito, mas não têm poder para confrontar o diabo. Permanecem impotentes diante dos grandes desafios que a multidão apresenta.

   Precisamos fugir desses dois extremos revelados pelos discípulos, quer no monte, quer no vale. Precisamos aprender com Jesus. Ele nos ensina a dar prioridade à nossa relação com Deus, a buscar intimidade com o Pai. Ele nos ensina que o caminho da obediência, mesmo que passe pela cruz, é o único que pode dar sen¬tido à nossa vida. Aqueles que oram e obedecem a Deus são revestidos com poder para vencer o diabo.

   Precisamos subir o monte para buscar a Deus com entendimento. Precisamos descer ao vale para exercer um ministério de obediência e poder, de cura e libertação. Precisamos olhar sempre para Jesus. Ele é o nosso supremo modelo. Em Cristo encontramos a face da verdadeira espiritualidade!



Extraído do Livro "As faces da espiritualidade - Hernandes Dias Lopes"

 


sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Espiritualidade do vale: Discussão sem poder

Por Hernandes Dias Lopes




   Os nove discípulos de Jesus estavam no vale, mas viviam o drama de um grande fracasso. Estavam cara a cara com o diabo, mas não tinham poder para confrontá-lo e vencê-lo. Cercados por uma multidão aflita, estavam desprovidos de recursos para atender às suas urgentes necessidades.




1. No vale há gente sofrendo o cativeiro do diabo sem encontrar na igreja solução para o seu drama

   Aqui está um pai desesperado (Lucas 9.37-40: Mateus 17.15, 16). O diabo invadiu a sua casa e está arrebentando com a sua família. Está destruindo o seu único filho.


   Aquele jovem estava possuído por uma casta de demônios. Um terrível poder maligno assumira o controle da sua personalidade. Aquele moço era um capacho nas mãos do diabo. Naquela casa não havia mais paz. O inferno estava lá, com sua horda de demônios provocando grandes estragos. Onde os demônios entram, impera a destruição. Onde eles dominam, reina a escravidão.


   Todos os recursos que aquele pai buscou para a libertação do seu filho fracassaram. Em todas as portas que ele bateu, não encontrou solução para o seu grave problema. A situação se agravara. A morte rondava a sua casa. Seu filho estava sendo castigado pelos demônios com rigor excessivo.


   No auge da sua angústia, aquele pai, desesperado, correu para os discípulos de Jesus em busca de ajuda e socorro, mas eles não tinham poder. Já haviam conquistado grandes vitórias sobre os demônios, mas agora estavam fracos e impotentes. O coração deles estava vazio e seco. As vitórias de ontem não servem para hoje. Precisamos encher-nos do Espírito a cada dia. Precisamos revestir-nos com poder diariamente. Assim como o maná que caía do céu precisava ser recolhido a cada manhã e não servia para o outro dia, da mesma forma a unção de ontem não serve para hoje.


   Em 1991 visitei a Missão Kwa Sizabantu, na Africa do Sul. O rev. Erlo Estegen estava trabalhando com os zulus, uma tribo fortemente comprometida com a feitiçaria. Certo dia, ao proferir sua mensagem, ele proclamou que Jesus Cristo é o Deus Todo-poderoso, para quem não há impossíveis, pois ele perdoa, liberta, cura e salva. Nesse momento, aproximou-se dele uma mulher com o rosto sulcado de dor e os olhos marejados de lágrimas. De pronto ela o interrogou: "O senhor está dizendo que o seu Deus pode todas as coisas?". O pastor respondeu: "Sim, é isto mesmo o que estou afirmando". Diante da resposta convicta, ela completou: "Então, eu preciso do seu Deus. Eu tenho uma filha possessa, amarrada como bicho no tronco de minha casa. Nenhum dos deuses que conheço pôde libertá-la. Se o seu Deus tem todo o poder, vamos comigo à minha casa e peça ao seu Deus para libertá-la".


   Nesse momento, o pastor Erlo sentiu um calafrio na espinha e pensou: "E se eu fracassar? Como vai ficar a minha reputação? Com que autoridade continuarei pregando para esse povo?". Ele se dirigiu à casa da mulher e deparou com um quadro assustador: A jovem estava sangrando, amarrada com arame no tronco, como uma fera ferida, um bicho enfurecido. Os olhos afogueados pareciam saltar de seu rosto desfigurado. O pastor em vão tentou expulsar da jovem aquelas terríveis entidades malignas. Levaram-na, então, amarrada, a uma fazenda, e um grupo de pastores e missionários orou por ela e tentou libertá-la dos demônios opressores, mas a moça, indomável, destruiu a casa da fazenda e voltou em estado ainda mais deplorável. O pastor Erlo ficou arrasado, envergonhado. Pensou até mesmo em abandonar a missão e parar de pregar. Sentia-se sem autoridade para falar da onipotência de Jesus Cristo. Mas, antes de desistir, compreendeu que o problema não era o Evangelho, mas a sua vida sem unção. Não era a Palavra de Deus, mas a sua falta de poder. Começou, então, a orar por avivamento. Iniciou na igreja o estudo ao livro de Atos dos Apóstolos. Os corações foram sendo quebrantados. Três vezes por dia, eles oravam e choravam copiosamente diante de Deus, buscando uma vida de santidade e poder. Não tardou para vir sobre eles um profuso derramamento do Espírito. Os feiticeiros mais endurecidos, tomados de profunda convicção de pecado, corriam para a Missão, clamando pela misericórdia de Deus, arrependendo-se de seus pecados. Aos borbotões, pessoas chegavam de toda a parte, entregando-se ao Senhor Jesus. A primeira coisa que o pastor Erlo fez a seguir foi visitar a casa daquela jovem possessa. Agora, no poder do Espírito, na autoridade do nome de Jesus, ele ordenou que os demônios saíssem da jovem, e ela foi imediatamente libertada. Todos, então, compreenderam que não basta falar no nome de Jesus, é preciso ser revestido com o poder do Espírito.


   Hoje, quando as multidões aflitas procuram a igreja, encontram nela um lugar de salvação, de cura e libertação? Há poder em nossa vida? Possuímos autoridade sobre as hostes do inferno? Temos confrontado o poder do mal? Conhecimento apenas não basta, é preciso revestimento de poder. O Reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder. O Espírito que habita em nós é Espírito de poder. Há muitas pessoas que são doutas no manuseio das Escrituras. Conhecem com profundidade as verdades exaradas na Bíblia, têm um acervo teológico colossal, mas estão áridas como um deserto. Conhecem a Palavra, mas não o poder de Deus. Conhecem a respeito de Deus, mas não conhecem a Deus. Têm a cabeça cheia de luz, mas o coração está vazio de fogo. Têm conhecimento, mas lhes falta a unção.




2. No vale há gente desesperada precisando de ajuda, mas os discípulos estão perdendo tempo, envolvidos numa discussão infrutífera

   Muitas vezes tentamos disfarçar nossa fraqueza espiritual com acaloradas e profundas discussões teológicas. Envolvemo-nos em intermináveis e apaixonados debates que dão em nada. São debates infrutíferos, discussões inócuas, palavras vazias. Os discípulos perdiam tempo discutindo com os opositores da obra de Deus, em vez de remir o tempo fazendo a obra (Mar¬cos 9.14-18).


   Em Atos 1.6-8 Jesus evidencia que, quando somos revestidos de poder, saímos do campo da especulação teológica para o campo da ação missionária. Os discípulos estavam pensando em escatologia, Jesus em missões. Recebemos poder para trabalhar, para agir, para fazer. Não que a discussão teológica seja desprovida de valor. A igreja precisa ter uma posição teológica clara, segura e bíblica. Ela não pode ser solidária com a heresia. A igreja não pode ser plural em sua posição doutrinária: pelo contrário, deve rechaçar vigorosamente qualquer ensino que não tenha amparo nas Escrituras. Mas há momentos em que precisamos deixar de lado o discurso e partir para a ação. Há crentes que passam a vida inteira freqüentando a igreja, discutindo empolgantes temas na Escola Dominical, freqüentando congressos e fazendo seminários de treinamento, mas nunca atuam. Estão com a cabeça cheia de informações e as mãos vazias de trabalho. Sofrem de hidrocefalia espiritual, enquanto o corpo permanece mirrado. Sabem muito e fazem pouco. Estão sempre preparando-se, mas não trabalham. Têm cursos e mais cursos, diplomas e mais diplomas, mas não colocam em prática o que sabem. Estamos no vale, cercados por uma multidão aflita, mas não temos resposta para ela. Ficamos discutindo os nossos temas, enquanto o diabo destrói vidas e famílias ao nosso redor.


   Discutimos muito e agimos pouco. Falamos muito e trabalhamos pouco. Sabemos muito e realizamos pouco. Aqueles que não sabem é que fazem, pois os que sabem gastam todo o seu tempo discutindo. E discutindo com quem? Muitas vezes com aqueles que sempre estiveram filiados na oposição cerrada a Jesus (Marcos 9.14). Discussão sem ação é paralisia espiritual. Quando gastamos o tempo todo discutindo, sem agir, estamos fazendo o jogo do diabo. Ele aplaude as discussões acaloradas daqueles que deveriam estar na trincheira da luta. O inferno vibra quando a igreja se fecha dentro de quatro paredes, em torno dos seus empolgantes assuntos. O mundo perece enquanto a igreja está discutindo. O diabo arruína vidas enquanto o povo de Deus, despercebido, está guerreando apenas no campo nas idéias. Há muito discurso, mas pouco poder. Muita verborragia, mas pouca unção. Multidões sedentas, mas pouca ação da igreja.



3. No vale, enquanto os discípulos discutem, há um poder demoníaco em ação sem ser confrontado

   Quando se trata de discutir a ação do diabo e suas hostes, há dois perigos extremos que precisamos evitar: Primeiro, o de subestimar a ação do diabo. Os liberais, céticos e incrédulos, negam a existência e a ação dos demônios. Explicam tudo racionalmente. Para eles, o diabo é uma figura lendária, um ser mitológico. Alguns até acreditam que o diabo é uma energia negativa no universo, ou o princípio do mal que está dentro de cada pessoa. Certamente, esse não é o ensino das Escrituras. Negar a existência e a ação de Satanás é cair nas malhas do mais ardiloso satanismo.


   O segundo perigo é o de superestimar a ação do diabo. Há muitas religiões chamadas cristãs nos tempos hodiernos que falam mais no diabo do que em Jesus. Pregam mais sobre libertação do que sobre arrependimento. Atribuem todo o mal que acontece no mundo a ação de Satanás. O homem deixou de ser pecador culpado, para tornar-se apenas uma vítima. Assim, ele não precisa arrepender-se, mas apenas ser libertado. Muitas igrejas hoje têm feito do exorcismo a principal plataforma de sua missão. São igrejas que vivem caçando demônios. São igrejas tão ocupadas com o diabo que esquecem de deleitar-se em Deus. Como era o poder demoníaco que estava agindo no vale?


   Primeiro, o poder maligno que estava em ação na vida daquele menino era assombrosamente destruidor. Assim expressou o seu pai: "Um espírito se apodera dele, e, de repente, o menino grita, e o espírito o atira por terra, convulsiona-o até espumar: e dificilmente o deixa, depois de o ter quebrantado" (Lucas 9.39). O evangelista Marcos acrescenta outros detalhes a respeito desse poder maligno que conspirava contra a vida do menino: "... rilha os dentes e vai definhando... e muitas vezes o tem lançado no fogo e na água, para o matar... " (Marcos 9.18, 22). O diabo é assassino e ladrão. E um estelionatário. Ele promete vida e dá a morte. Sua ira não cessa. Ele tem destruído vidas. Tem arruinado famílias. Tem empurrado pessoas para o abismo da promiscuidade sexual. Tem lançado jovens no poço profundo e pestilento das drogas. Tem levado muitos casais ao divórcio. Tem provocado guerras encarniçadas e sangrentas. Tem jogado nação contra nação. Tenho visto muitas vidas feridas pelo diabo. Tenho acompanhado e aconselhado muitos infelizes que foram torturados por esse insolente poder maligno. Não podemos fechar os olhos e tapar os ouvidos aos gritos dos infelizes que estão agonizando, atormentados pelos demônios. Há muitos que ainda hoje vivem oprimidos pelo diabo. Outros estão possessos de espíritos imundos. Essas pessoas precisam encontrar uma igreja libertadora. Não podemos ficar acomodados, deleitando-nos em profundas e polêmicas discussões, enquanto à nossa volta pessoas perecem nas mãos do maligno.


   Certa feita, quando eu pregava em um culto familiar, algo me marcou profundamente. Enquanto falava, uma mulher chorava convulsivamente. Após o culto, eu a procurei com o objetivo de oferecer-lhe ajuda. Ela, então, me disse que o diabo havia destruído a sua família. Falou-me que era casada e tinha dois filhos pequenos. Morava em um bom apartamento e tinha uma vida financeira estável. Entretanto, não havia paz em sua casa. Certa noite, ela acordou com o grito desesperado de seus filhos. Ao levantar-se da cama, percebeu que o marido não estava do seu lado. Correu em direção ao quarto dos meninos, mas a porta estava trancada. Bateu à porta, e ninguém atendeu. Então, com toda a força, ela arrebentou a porta e deparou com um quadro dramático. O marido estava apunhalando os próprios filhos. Quando ela entrou no quarto, o marido apunhalou o seu próprio peito, caindo morto sobre os corpos sem vida das crianças. Com profunda tristeza, aquela mulher confessou: “Pastor, eu levei toda a minha família para o cemitério. O diabo destruiu a minha família.” Quantas tragédias, quantas desgraças têm acontecido pela ação do diabo na vida das pessoas!


   Segundo, o poder maligno em ação no vale atingia inclusive e sobretudo as crianças. "Perguntou Jesus ao pai do menino: Há quanto tempo isto lhe sucede? Desde a infância, respondeu: e muitas vezes o tem lançado no fogo e na água para o matar" (Marcos 9.21, 22). Aquele menino estava sob o poder do mal. Estava no cativeiro do diabo desde a sua mais tenra idade, desde a sua infância. A palavra bréfos descreve a fase infantil desde a vida intra-uterina. O espírito mudo e destruidor entrou naquele menino desde a sua meninice. O diabo não poupa as crianças. Elas não estão isentas nem incólumes a esse terrível ataque demoníaco. Aquele menino estava sendo assolado por uma casta de demônios, que conspiravam contra ele, jogando-o no fogo, na água e atirando-o por terra para matá-lo. Era o início do meu ministério na Primeira Igreja Presbiteriana em Vitória, no Espírito Santo. Uma mulher recém-convertida passou a freqüentar a igreja. Seu marido era espírita. Ela tinha um filho, de dois anos. Certo dia, voltando para a casa, começou a cantar um hino cuja letra falava que Jesus tem poder. Nesse momento, para seu espanto, o filho de dois anos, que estava no seu colo, com o rosto desfigurado, começou a blasfemar com voz grave, dizendo que Jesus não tinha poder. Atordoada, a mulher procurou vários médicos e psiquiatras para tratar do filho. Aquele fenômeno voltou a acontecer outras vezes. Um dia ela marcou um aconselhamento e chegou a meu gabinete com o filho no colo. Enquanto a mulher conversava comigo, a criança me fuzilava com um olhar penetrante e perturbador. Ouvi toda a história. Quando comecei a falar do poder de Jesus, o menino foi tomado por um poder maligno e começou a proferir impropérios. Repreendi em nome de Jesus aquelas entidades malignas, e a criança começou a serpentear no chão do gabinete como um réptil. Depois de intensa luta, aquele menino foi libertado pelo poder do nome de Jesus. A mãe contou-me, então, que, ao nascer, seu filho tinha sido levado pelo pai a um terreiro de Umbanda, sendo ali consagrado aos espíritos demoníacos.


   Há uma verdadeira orquestração do inferno para atingir as crianças. Os espíritos malignos atingem as crianças através de pactos demoníacos feitos por seus pais, através de vídeos e jogos ocultistas e outros aparatos propositadamente preparados para alcançar a mente das crianças. Hoje há um exército de crianças sofrendo grandes estragos mentais e emocionais. Há um batalhão de crianças deprimidas, sofrendo pesadelo. Há uma safra de crianças rebeldes aos pais, sendo educadas por uma mídia perversa. Vivemos em uma cultura demonizada, na qual as crianças são inspiradas a cometer assassinatos, como aconteceu no início do ano 2000 em São Paulo, quando uma criança, depois de assistir ao filme "Brinquedos Assassinos", assassinou o seu colega.


   O diabo tem investido pesado nas crianças. Os programas infantis hoje são uma evidência dessa amarga realidade. Os satanismo, o ocultismo, a violência e a depravação sexual são os temas explorados para atacar a mente infantil. Como o faraó propôs a Moisés (Êxodo.10.10, 11), o diabo também quer reter em suas mãos as crianças. Se perdermos esta geração, teremos amanhã uma geração apóstata que não conhecerá ao Senhor e estará pronta para adorar o anticristo.


   Terceiro, o poder maligno em curso age com requintes de crueldade. O evangelista Lucas registra um detalhe importante: aquele menino era filho único (Lucas 9.38). Tocar na vida daquele menino era roubar os sonhos daquela família, era cobrir o futuro daquele lar com um manto de crepe. O filho era tudo o que aquele pai possuía. O filho único era o seu prazer, a sua esperança, o alvo dos seus sonhos, o seu futuro, a sua vida. O diabo age não somente com perversidade, mas também com requintes de crueldade. Onde ele põe a mão, há marcas de sofrimento. Onde os demônios agem, há sinais de desespero. Onde a ação do maligno não é neutralizada, a morte mostra a sua carranca. Onde os demônios não são confrontados, a invasão do mal desconhece limites.


4. No vale, os discípulos estão sem poder para confrontar os poderes das trevas

   Aquele pai aflito expõe seu drama para Jesus: "Roguei aos teus discípulos que o expelissem, mas eles não puderam" (Lucas 9.40). Mateus também registra que os discípulos não puderam curá-lo (Mateus 17.16).


   Por que os discípulos estão sem poder? A Bíblia nos dá quatro razões para essa impotência e fraqueza dos discípulos:


   Primeiro, porque há demônios e demônios. Os discípulos perguntaram para Jesus a razão do fracasso na tentativa de expulsar o espírito maligno do menino. Jesus respondeu que aquela casta não se expelia senão por meio de oração e jejum (Mateus 17.19, 21). Há demônios mais resistentes que outros. Eles já tinham logrado êxito em outras empreitadas, mas agora fracassaram. Eles já haviam expulsado demônios, mas agora não obtiveram sucesso. Na verdade, há hierarquia no reino das trevas. O apóstolo Paulo fala de principados, potestades, dominadores deste mundo tenebroso e forças espirituais do mal. Há uma estratificação de poder no mundo invisível. Há demônios com mais força que outros. Por isso, os discípulos não conseguiram expelir a casta de demônios daquele menino.


   Em 1993 fui eleito presidente da Comissão Nacional de Evangelização da Igreja Presbiteriana do Brasil, no segundo Congresso Nacional de avivamento e evangelização em Vitória, Espírito Santo. Estávamos reunidos no templo da Igreja Assembléia de Deus do Aribiri, município de Vila Velha. O pregador do culto de abertura seria o rev. Jeremias Pereira da Silva. Antes da mensagem, no meio da igreja lotada com mais de três mil pessoas, um homem possesso soltou um grito pavoroso. As pessoas que estavam próximas levaram-no a uma sala do templo e oraram por ele. No dia seguinte, o pastor Jeremias começou uma série de palestras sobre Batalha Espiritual. No fim da tarde, o dito homem convidou o pastor Jeremias para ir à sua casa visitar a sua esposa. Fomos em quatro pastores. No trajeto, perguntei àquele homem sobre o ocorrido na noite anterior. Ele me falou, então, do seu envolvimento com o satanismo. Contou que tinha feito um pacto com várias entidades do candomblé, mostrando as marcas no seu corpo. Quando chegamos à sua casa, após apresentar-nos a sua esposa, ele deu um salto para dentro da sua varanda e já caiu do outro lado, possesso e muito furioso, dizendo: "Agora, vocês estão no meu terreno. Eu quero ver se vocês têm poder mesmo. Agora vou matar todos vocês". O semblante do homem desfigurou-se. Seus olhos nos fuzilavam com ódio mortal. Ele rangia os dentes, tomado por um acesso de fúria. Partiu para cima de nós, determinado a nos destruir; contudo, Deus colocou ao nosso redor um muro de fogo. O pastor Jeremias travou uma batalha espiritual com esse homem possesso durante cerca de uma hora. Era dado momento, ele trouxe para a sala sete garrafas vazias de cerveja e fez um ponto cruzado, buscando reforço dos demônios. Depois, cheio de fúria, avançou em nossa direção, arremessando as garrafas contra nós, com a intenção de nos matar. A sala ficou coalhada de cacos de vidro. Depois de uma luta titânica, aquele homem foi liberto. Ele estava tão exausto que nem mesmo conseguia ficar de pé. No quintal de sua casa havia um templo satânico, com vários apetrechos de feitiçaria. A casta que estava naquele homem era uma horda de demônios extremamente resistentes. Nem todo caso de possessão é tão complicado, contudo.


   Segundo, os discípulos estavam sem poder porque não oraram. Jesus disse que aquela casta só saía com oração e jejum (Mateus 17.21). Não há poder espiritual sem oração. O poder não vem de dentro do homem, mas do alto, do trono de Deus. Sem oração ficamos vazios, secos e fracos. Púlpito sem oração é púlpito sem poder. Igreja sem oração é igreja sem poder. A fonte do poder não vem dos livros, mas do trono de Deus. C. H. Spurgeon dizia que toda a sua biblioteca nada era diante da sua sala de oração. Quando a igreja se coloca de joelhos, torna-se invencível. O inferno treme ao ver um santo de joelhos. Quando a igreja ora, o céu se move, o inferno treme e coisas maravilhosas acontecem na terra. Sem oração, agimos na força da carne. Oração e poder sempre caminham juntos. Não há poder sem oração. Sempre que a igreja dobrou os joelhos para orar, ela foi revestida com poder. Sempre que ela é capacitada com poder, tem autoridade para viver, pregar e confrontar vitoriosamente os demônios.


   Terceiro, os discípulos estavam sem poder porque eles não jejuaram. Jesus disse que aquela casta só seria expelida com oração e jejum (Mateus 27.21). O jejum é um tremendo exercício espiritual que nos capacita a enfrentar os grandes embates da vida. Somos capacitados e equipados para realizar a obra de Deus através do jejum. Ele não é meritório. Não tem o propósito de mudar Deus. E um instrumento de auto-humilhação e quebrantamento. Quando jejuamos, estamos dizendo que dependemos totalmente dos recursos de Deus. Quem jejua tem pressa para estabelecer comunhão com Deus. Quem jejua tem mais fome do pão do céu que do pão da terra. Quem jejua busca o revestimento de poder do Espírito e não confia em sua própria força. Quando a igreja pára de jejuar, começa a enfraquecer. Quando ela passa a confiar em si mesma, deixa de usar os recursos de Deus. E sem o poder de Deus agindo em nós e através de nós, colhemos amargas e humilhantes derrotas espirituais como os discípulos naquele vale.


   Quarto, os discípulos estavam impotentes por causa da pequenez de sua fé. Depois que Jesus libertou o menino do poder dos demônios, os discípulos aproximaram-se dele e perguntaram em particular: "Por que motivo não pudemos nós expulsá-lo? E ele lhes respondeu: Por causa da pequenez da vossa fé" (Mateus 17.19, 20). Os discípulos tinham uma fé debilitada e raquítica. Como não tinham intimidade com Deus e não o conheciam de forma profunda, eram fracos e impotentes para confrontar as forças do mal. A fé não é algo místico e subjetivo. É resultado do nosso conhecimento da verdade. A fé vem pelo ouvir a Palavra. O povo que conhece a Deus é forte. Não podemos confiar em quem não conhecemos profundamente. Muitos conhecem a respeito de Deus, mas não conhecem a Deus. Fé não é apenas um assentimento intelectual da verdade. Esse tipo de fé, até os demônios têm (Tiago 2.19). A fé é um conhecimento pessoal, íntimo, relacional, fruto da comunhão com Deus. Os discípulos fracassaram no confronto com o poder das trevas, porque não estavam vivendo aos pés do Senhor. A pequenez da fé é conseqüência de uma relação fria e distante com Deus. Ninguém pode ter uma grande fé sem estar vivendo na intimidade e na dependência do grande Deus. O problema não é a presença do diabo, mas a ausência de Deus.


   Os olhos da fé não miram a adversidade das circunstâncias. A fé não se abala ao ser encurralada por impossibilidades e ao ser confrontada pelas improbabilidades. A fé não se concentra na fúria da tempestade. Ela só olha para o Deus dos impossíveis. Não se intimida diante da ameaça dos gigantes: ela olha por sobre os ombros dos gigantes e contempla a vitória que vem do Senhor. O poder para confrontar o maligno e suas hostes não está em nós, mas no poderoso nome de Jesus. Não é, porém, apenas uma questão de proferir o seu nome. Precisamos conhecer a Jesus e confiar em seu nome sem duvidar. Contra o diabo e seus anjos, não podemos usar armas carnais. Precisamos manejar as armas espirituais, que são poderosas em Deus (2 Coríntios 10.3-5). Contra o inimigo precisamos arvorar a bandeira do Senhor na certeza de que ele é vencedor invicto em todas as batalhas. Ele é a nossa inexpugnável armadura.


5. A nossa incredulidade e falta de oração e jejum provocam sofrimento a Jesus

   Quando aquele pai aflito confessou que trouxe seu filho endemoninhado aos discípulos, e eles não puderam libertá-lo, Jesus exclamou: "O geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei?" (Mateus 17.17). A inoperância e fraqueza da igreja entristecem a Jesus. A igreja foi criada para ser instrumento de libertação e sinal de vida no meio de uma geração cativa e marcada pelo espectro da morte. A igreja deve ser o braço de Deus em ação na história. Ela não pode ser um exército tímido, impotente e covarde, que recua diante das forças do mal. Ela precisa invadir as portas do inferno. Ela é agente de Deus na história para pregar, curar e libertar. A igreja deve brilhar como luzeiro no meio de uma geração imersa nas densas trevas. Se a igreja falhar, o mundo perecerá. Se a igreja não tiver poder, as trevas prevalecerão. Se a igreja estiver fraca, o diabo fará grandes estragos.


   Precisamos questionar-nos: Temos produzido alegria ou sofrimento no coração de Jesus? Como ele nos vê? Temos usado os recursos e as ferramentas que ele colocou em nossas mãos? Temos prevalecido e triunfado em seu nome? Temos abalado as portas do inferno? Temos desestabilizado as tramas do diabo? Temos afugentado os aleivosos demônios que oprimem aqueles que nos buscam cheios de aflição? Temos visto o nome do Senhor ser glorificado em nossa vida?


   Jesus olhou para a igreja de Laodicéia , que possuía um elevado conceito de si mesma, e disse: "Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca" (Apocalipse 3.15, 16). Deus olhou do céu e viu o seu povo mergulhado em profunda devassidão e disse: "As vossas solenidades, a minha alma as aborrece: já me são pesadas: estou cansado de as sofrer" (Isaías 1.14). O que Deus pensa de você? Você tem sido motivo de alegria ou tristeza para o coração do Senhor?


   Há alguns anos preguei no culto de formatura do Seminário Presbiteriano de Recife. Após o culto, um formando compartilhou comigo sua dramática experiência vivida meses antes da formatura. Ele foi convidado para pregar em uma grande igreja de uma bela capital nordestina. Empacotou seus melhores sermões, fez sua mala e viajou na expectativa de uma bem-sucedida série de conferências. Ao chegar, porém, à casa do pastor para o grande desafio evangelístico, foi surpreendido por um fato novo. Uma mulher se dirigiu à casa do pastor tomada de grande desespero, pedindo socorro. Sua vizinha estava possessa, furiosa, indomável, e não havia quem pudesse libertá-la do poder dos demônios. O pastor disse calmamente à mulher: "Fique tranqüila: acaba de chegar de Recife um santo homem de Deus preparado para esta tarefa". O seminarista, atordoado, com as mãos geladas e trêmulas, os joelhos vacilantes e o coração cheio de pânico, disse ao pastor: "Eu apenas vim avisar ao senhor que já estou partindo". Na verdade, ele não conseguiu dizer nada. Estava em estado de choque. Jamais vivera situação semelhante. O pastor levou-o ao local onde estava a mulher possessa. De longe, eles começaram a ouvir os gritos alucinados da vítima dos demônios. O seminarista não conseguia caminhar sem sentir os joelhos batendo um no outro.


   Quando chegaram em frente à casa, havia ao redor uma multidão apavorada, sem saber o que fazer. O pastor olhou para o seminarista e disse: "Seminarista, o caso é todo seu, pode entrar na casa". Tremendo e assustado, ele entrou e deparou-se com um quadro aterrador: A mulher estava furiosa, com o rosto desfigurado, os olhos vermelhos e flamejantes, o cabelo desalinhado, bufando como uma fera ferida. Quando ele abriu a boca para repreender o espírito maligno, a mulher possessa lhe deu uma bofetada no rosto e o jogou no chão, e no chão ele ficou por mais de uma hora. O seminarista sentiu-se humilhado, envergonhado, nocauteado pelo inimigo. Em sua mente, como um filme, passavam ao vivo e em cores seus fracassos, sua incredulidade, sua aridez espiritual, seus pecados. Enquanto ele vivia esse momento doloroso de vergonha e derrota, a mulher possessa vociferava ao seu redor. Quando se sentiu no fundo do poço, impotente e quebrado, o jovem voltou os seus olhos para Deus e clamou: "Ó Deus, tem misericórdia de mim. Eu sou teu servo. Restaura a minha vida. Restitui-me as forças. Dá-me poder para confrontar esses demônios".


   Enquanto orava, como fez Sansão agarrado às colunas do templo, a mulher possessa caiu. E quando ela caiu, o jovem se levantou, porque diante de Deus demonstrara humildade, mas diante do diabo isso significava autoridade. No poder que há no nome de Jesus, ele repreendeu os demônios que estavam tomando aquela mulher, e ela foi libertada.


   Esse jovem formando, abraçado comigo, deixando pingar lágrimas na lapela do seu paletó, confessou: "Agora compreendo que não basta ser crente, não basta ser líder, não basta ser pastor, não basta falar do poder de Deus: é preciso experimentar esse poder". Não podemos confrontar o poder das trevas estribados em nossas próprias forças. Precisamos ser revestidos com o poder de Deus, pois só assim traremos alegria ao coração de Jesus!



Extraído do Livro "As faces da espiritualidade - Hernandes Dias Lopes"

Humilhado por Deus




David Wilkerson  



   Humilhar significa "reduzir a dignidade e o orgulho de uma pessoa", rebaixar. Tenciono mostrar-lhes nesta mensagem que Deus humilha aqueles a quem ele ama. Com efeito, a menos que você tenha experimentado esta divina humilhação, não está preparado para ser plenamente usado por Deus; não está preparado para receber de sua plenitude.


   Deus humilha seu povo apenas com o intuito de prepará-los para um maior aproveitamento — princípio que vemos em operação por toda a Escritura. Podemos exemplificar melhor esta humilhação da parte de Deus através das experiências dos filhos de Israel. Deus libertou seu povo operando grandes milagres — depois os levou a um deserto estéril e os humilhou de forma total! Depois de 400 anos de escravidão, os israelitas perderam a esperança de algum dia conhecer a liberdade ou possuir sua própria terra. Então apareceu entre eles um profeta chamado Moisés pregando a esperança. Ele ia de uma fornalha de tijolos para outra, de um campo para outro, e de casa em casa, falando ao povo:

   "Então disse o Senhor: De fato tenho visto a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor por causa dos seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso desci para livrá-lo das mãos dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel" (Êxodo 3:7-8).


   "Pois tu és um povo santo ao Senhor teu Deus. O Senhor teu Deus te escolheu para que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra. O Senhor não se afeiçoou de vós, e vos escolheu por serdes mais numerosos do que todos os outros povos, pois éreis menos em número do que todos os povos. Mas porque o Senhor vos amava, e para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão forte, e vos resgatou da casa da servidão, da mão de Faraó, rei do Egito" (Deuteronômio 7:6, 8).


   Ali estavam eles, suando, cansados, vivendo mal - enquanto Moisés lhes pregava uma brilhante mensagem de esperança! Viram o poder portentoso de Deus quando ele os livrou por meio de um milagre após outro, demonstrando ao mundo como ele protege e livra os seus.


   Na ocasião, Israel vivia em Gósen — um estado egípcio escravo. Mas Deus disse ao Egito: "Farei distinção entre o meu povo e o teu povo" (Êxodo 8:23). E durante o decorrer de dez terríveis pragas o povo de Deus permaneceu intacto!


   Primeiramente, Moisés ergueu sua vara e feriu as águas do Egito e elas se tornaram sangue. Até mesmo a água guardada nos vasilhames de madeira ou pedra foram contaminadas. Os peixes morreram e os rios exalavam mau cheiro! Durante vários dias a água se tornou imprópria para beber — mas em Gósen, o povo de Deus bebia água fresca e pura.


   Depois Arão estendeu a mão sobre as águas, e ondas de rãs surgiram e cobriram a terra. Em cada casa, cozinha, quarto de dormir, pátio dos palácios, armazém e templo, não havia lugar para deitar-se ou sentar-se por causa da invasão de rãs! Mas em Gósen as rãs ficaram nas águas, e todos os israelitas ouviam o seu coaxar. Que panorama para Israel contemplar enquanto os egípcios reuniam rãs mortas em grandes montões, "e a terra cheirou mal!" Mas não em Gósen!


   Enquanto Faraó endurecia o coração contra Deus, de novo a vara era usada - desta vez para ferir o pó. O pó tornou-se em piolhos, que atacaram todo o povo e todos os animais. Alguns interpretam isto como uma praga de moscas ou mosquitos: "Esses mosquitinhos molestavam os animais e as pessoas, entrando-lhes nos olhos e nas narinas, levando-os à fúria. As vezes os animais eram torturados até à morte por esta invasão." Mas em Gósen não havia piolhos, nem mosquitinhos, nem moscas!


   A seguir veio a invasão de moscas — enxames de moscas como nuvens negras, "e a terra ficou arruinada com estes enxames". Alguns dizem que esta praga incluía besouros, moscas do gado, moscas dos cães, e todo tipo de moscas. "A terra foi assolada" (Êxodo 8:24). Mas, "a terra de Gósen, em que meu povo habita... não haja enxames de moscas" (Êxodo 8:22).


   Depois disso veio a praga sobre o gado do Egito. Cavalos, camelos, bois, ovelhas, burros e vacas caíram mortos por todo o Egito. "Mas do gado dos filhos de Israel não morreu nem um" (Êxodo 9:6).


   A praga seguinte foi a das úlceras. Estas não eram como as que conhecemos; antes, eram chamadas de "coisa mal feita do Egito", lepra negra, elefantíase — todas causadoras de desfiguramento.


   Após esta veio a grave chuva de pedras, com relâmpagos e trovões, "e fogo desceu à terra" e "havia saraiva misturada com fogo". Era "tão grave qual nunca houve em toda a terra do Egito, desde que veio a ser nação". Ela "feriu tudo o que havia no campo" (Êxodo 9:23-25). E em Gósen? Nem uma pedrinha em parte alguma!


   A seguir veio a invasão de gafanhotos que "cobriram a face de toda a terra" (Êxodo 10:15). Eles escureceram o céu "e não ficou verdura" (versículo 15). Entretanto, em Gósen não houve gafanhotos e o sol brilhou em todo o seu esplendor.


   Depois dos gafanhotos veio a praga de trevas, tão densas que podiam ser apalpadas (Êxodo 10:21). Estas duraram três dias e eram tão intensas que os egípcios não podiam ver uns aos outros. "Mas todos os filhos de Israel tinham luz nas suas habitações" (versículo 23).


   A décima e última praga foi a visita de um anjo da morte que matou todos os primogênitos: "Levantou-se Faraó de noite... e todos os egípcios; e havia grande clamor no Egito, pois não havia casa em que não houvesse um morto" (Êxodo 12:30). O Egito foi dizimado — completamente desmoralizado. Em Gósen, todavia, nem um morto sequer!


   "Nesse mesmo dia, todos os exércitos do Senhor saíram da terra do Egito" (Êxodo 12:41). Os israelitas deixaram o Egito com gloriosas promessas soando em seus ouvidos: "Tu, com a tua beneficência guiarás o povo que remiste. Com a tua força o levarás à tua santa habitação" (Êxodo 15:13). "Espanto e pavor cairão sobre eles (teus inimigos). Pela grandeza do teu braço emudecerão como pedra" (Êxodo 15:16). "Ele... te abençoará e te fará multiplicar... o fruto da tua terra, o teu cereal, o teu vinho, o teu azeite, a cria das tuas vacas e a cria das tuas ovelhas... Bendito serás mais do que todos os povos... O Senhor desviará de ti toda enfermidade. Ele não te afligirá com as terríveis doenças que conheceste no Egito" (Deuteronômio 7:13-15). "O Senhor teu Deus está no meio de ti, Deus grande e terrível... ninguém te poderá resistir" (Deuteronômio 7:21,24).


   Então aconteceu o maior de todos os milagres: viram Deus dividir um poderoso mar, amontoar suas águas e abrir uma via de escape sobre terra seca! Eles cantaram, dançaram e adoraram a Deus enquanto as águas se desmoronaram sobre Faraó e seu exército. Viram um exército inteiro varrido pelo dedo de Deus!


   A seguir os israelitas saíram para o deserto chamado Sur (Êxodo 15:22). Depois se dirigiram ao deserto de Sim (Êxodo 17:1). Quão prósperos, abençoados e especiais eles se sentiram — pois cada oração havia sido maravilhosamente respondida! Eles sabiam que estavam protegidos e guiados por um Pastor bondoso, sábio, e cantavam as promessas divinas.


   Mas no dia seguinte acordaram sentido dores de fome! Todos os pães sem fermento já haviam sido comidos, e não havia alimento de espécie alguma no arraial. "... foram lançados fora do Egito e não tiveram tempo de preparar para si provisões" (Êxodo 12:39). Trinta dias depois de haverem deixado o Egito, dois milhões de pessoas haviam chegado ao fim de seus recursos! As poucas cabeças de gado que possuíam, estavam fracas e magras, só davam para alimentar umas poucas pessoas, e ficariam sem nenhum animal para reprodução em sua nova terra.


Deus levou a Israel a um nível de total humilhação

   Os filhos de Israel estavam bem desamparados: pais, mães, príncipes, dirigentes — todos sem ter para onde virar-se. Não havia caravanas de camelos carregados de provisões. Não havia frutas secas, nem peixes secos, não havia pão, nem figos, nem tâmaras, uvas ou castanhas. Sem dúvida viram o comboio de suprimentos de Faraó desaparecer — enormes lonas carregadas de alimento flutuando sobre o mar Vermelho! A lógica do povo deve ter sido: "Deus sabia exatamente o dia e a hora em que deixaríamos o Egito. Moisés conversa com Deus — então por que ele não nos disse que devíamos trazer provisões de alimento para seis meses? Até mesmo os comandantes do Egito dispensam melhor tratamento aos seus soldados. Por que nos ordenaram pedir todo este ouro, prata e jóias? Isto não é coisa que se possa comer — não tem valor algum aqui!"


   Não havia nem mesmo grama à vista — não havia animais para caçar — não havia árvores com fruto — não havia estrangeiros com os quais efetuar troca. Não poderiam ter voltado ao Egito ainda que desejassem fazê-lo — o mar Vermelho bloqueava-lhes a retirada! E ainda que pudessem ter contornado o mar, os egípcios teriam impedido a volta.


   Assim, no momento, nada havia senão um deserto sombrio e tenebroso pela frente. As crianças choravam e as esposas torciam as mãos em desespero. Todo pai e marido estava desamparado e humilhado. Todos eles se reuniram em torno de Moisés e se queixaram: "Tu nos trouxestes a este deserto, para matardes de fome a toda esta multidão" (Êxodo 16:3).


   Isto era uma humilhação para Israel — e uma lição para nós hoje. "Ora, estas coisas aconteceram como exemplos, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram... estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos" (I Coríntios 10:6,11).


Israel não estava preparado para lidar com todas as bênçãos que Deus havia reservado para eles

   "Ele te afligiu, e te deixou ter fome; depois te sustentou com o maná... para te dar a entender que não só de pão vive o homem, mas de tudo o que sai da boca do Senhor" (Deuteronômio 8:3).


   A primeira lição deste versículo encontra-se nas palavras: "e te deixou ter fome." Foi isso 40 anos mais tarde, e Moisés não queria que Israel se esquecesse desta lição de humilhação. "Lembrar-te-ás de todo o caminho pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no deserto estes quarenta anos" (Deuteronômio 8:2).


   Lembre-se, foi Deus quem os deixou ter fome — Deus que os levou para fora despreparados e trouxe esta crise sobre eles — e Deus que os colocou de costas contra a parede e tornou os céus como bronze. Foi Deus quem os conduziu a circunstâncias tão humilhantes! Satanás nada tinha que ver com a medonha situação em que se encontravam. Era tudo uma prova para revelar o que havia no coração do povo, "para te humilhar e te provar, para saber o que estava no teu coração" (Deuteronômio 8:2).


   Ele sabe o que está em nós, mas quer que nós também o saibamos. A prova a que os israelitas foram submetidos não era para conhecer a dose de coragem que possuíam para enfrentar poderosos inimigos, ou gigantes, ou carruagens de ferro, porque Deus já se empenhara em lutar suas batalhas por eles. Mas era para prepará-los para as bênçãos, pois estavam despreparados — a incrível prosperidade: boas casas, tonéis cheios de vinho, rios de leite, abundância de mel, trigo e gado — para não mencionar todos os tipos de bênçãos espirituais.


   "Pois o Senhor teu Deus te introduz numa boa terra, terra de ribeiros de águas, de fontes e de mananciais profundos que manam dos vales e das montanhas; terra de trigo, cevada, vides, figueiras e romãzeiras; terra de oliveiras, de azeite e mel; terra em que comerás pão sem escassez, e nada te faltará nela; terra cujas pedras são de ferro, e de cujas montanhas cavarás o cobre. Comerás e te fartarás, bendizendo ao Senhor teu Deus pela boa terra que te deu. Guarda-te de não te esqueceres do Senhor teu Deus, não cumprindo os seus mandamentos, os seus juízos e os seus estatutos que hoje te ordeno; para não suceder que, depois de teres comido e estares farto, de teres edificado boas casas e habitado nelas, e depois de se multiplicarem as tuas vacas e as tuas ovelhas, e aumentar a prata e o ouro e tudo quanto tens, se ensoberbeça o teu coração e te esqueças do Senhor teu Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão; que te guiou por aquele grande e terrível deserto de serpentes abrasadoras, de escorpiões, de terra árida e sem água, onde fez jorrar para ti água da pedra dos rochedos; que no deserto te sustentou com maná, que teus pais não conheceram, a fim de te humilhar e provar, e afinal te fazer bem. Não digas no teu coração: A minha força e o poder do meu braço me proporcionaram esta riqueza" (Deuteronômio 8:7-17).


   Aqui o Senhor está falando não só a Israel — mas a nós hoje. O objetivo de Deus humilhar o povo nunca esteve em dúvida: Era "a fim de te humilhar e provar, e afinal te fazer bem" (Deuteronômio 8:16). Precisava ensinar Israel a lidar com toda a abundância que estava prestes a derramar sobre o povo. E Deus tem de humilhar-nos da mesma maneira que os humilhou.


   Como se pode ver, embora os filhos de Israel estivessem protegidos pelo sangue, libertos, e guiados de modo sobrenatural, objeto do amor de Deus e do poder operador de milagres, uma coisa lhes faltava: Eles não eram dependentes de Deus!


   O sangue pode cobrir os seus pecados, mas não faz você dependente de Deus. Os milagres podem livrá-lo do poder de Satanás, mas não podem fazê-lo dependente. Você pode ser guiado de maneira sobrenatural por Deus e ainda não apoiar-se inteiramente no Senhor.


   Deus tem de despojar-nos de toda nossa auto-segurança e destruir tudo quanto resta de justiça própria, orgulho espiritual e vangloria. Ele deve (e isso faz) humilhar a todos quantos estão destinados a herdar suas grandes bênçãos espirituais.


   Eles tem de tomar um Saulo de Tarso — confiante em si próprio, justo em si mesmo, consumido com um conhecimento das Escrituras, cheio do zelo de Deus, pronto para morrer por Jeová — e feri-lo com cegueira! Saulo tinha de ser humilhado perante o mundo, sendo conduzido por toda parte como uma criança e aguardar durante dias, desamparadamente, até que Deus agisse. Ele foi humilhado ao ponto de total dependência!


   Neste exato momento encontro-me sob a mão humilhadora de Deus! Quanto a mim, ainda não atingi o alvo. Se você pensa que está no controle de toda a situação, e que tudo está bem calculado, que você ouve muito claro a voz de Deus, que nunca está errado, que todas as suas orações são respondidas — então cuidado! Você se encaminha para a fome, porque Deus nos reunirá a todos num nível de fome e desamparo.


   A Igreja de Times Square deve ser humilhada — e agora mesmo está sendo! Temos tido seis meses de orações intensas contra uma determinada legislação que defende o aborto, não obstante ela ainda funciona. Os pornógrafos ainda devastam — e Satanás, atrevido, monta uma peça teatral no mesmo teatro que Deus prometeu dar-nos como lugar de adoração. Por quê? Deus nos está examinando e provando, despojando-nos de toda confiança depositada no homem e na carne, levando-nos a uma situação de total dependência dele a fim de preparar-nos para o grande derramamento de si mesmo.


   Deus pode conduzir você a um lugar onde parece que tudo sai errado: enfermidade, morte, vozes conflitantes, orações aparentemente não respondidas, promessas de Deus que parecem escarnecer de suas petições e lágrimas. É a sua hora de humilhação — seu tempo determinado de prova.


"Não só de pão vive o homem, mas de tudo o que sai da boca do Senhor."

   Este texto de Deuteronômio 8:3 é tão poderoso que o próprio Jesus o usou contra o diabo durante sua grande tentação no deserto (veja Mateus 4:1-4). À semelhança dos filhos de Israel, Jesus também teve fome. Que maior humilhação haveria do que ser o Filho de Deus e ser levado a um lugar de total dependência?


   Como homem, Jesus aprendeu obediência e dependência pelas coisas que sofreu, como esta crise de fome. O que Jesus na realidade estava dizendo era isto: "Não estou aqui para agradar a mim mesmo ou para afagar a minha carne. Estou aqui para fazer a perfeita vontade de meu Pai." Jesus entregou cada cuidado humano na mão de seu Pai. Em outras palavras ele disse: "Gastarei toda a minha vida e todo o meu tempo obedecendo a meu Pai, fazendo a sua perfeita vontade — e ele cuidará de mim a seu modo."


J   esus sabia que Deus poderia proferir apenas uma ordem: "Fome — dê o fora!" Mas sabia também que o Pai poderia dar-lhe um alimento perfeito — por isso ele não vivia pensando em comida, ou bebida, ou vestes, ou casas. Pelo contrário, buscaria a vontade de Deus em primeiro lugar e deixaria que o Pai cuidasse de suas necessidades.


   Jesus estava dizendo algo muito profundo, com o propósito de: "Não vim para pedir ao Pai que cumpra sua Palavra comigo; vim para que eu possa cumprir todas as suas palavras!" Jesus não necessitava de um milagre para provar a si mesmo o amor que o Pai lhe votava. Ele descansava nas palavras do Pai. Seu clamor não era: "Deus, cumpre tua palavra comigo!", mas, ao contrário, "Deixa-me realizar a tua Palavra em todas as coisas."


   Multidões de cristãos hoje são o que eu chamaria de crentes "pão" -só vivem de pão, sempre pedindo que Deus prove sua fidelidade. Eles tem uma fome interior e pensam que sabem o que a satisfará.


   Na maior parte dos meus primeiros anos de ministério eu era um cristão "pão". Tinha uma fome insaciável, impulsionada por necessidades inexplicáveis. Quando pensei que necessitava de uma nova igreja, eu a consegui! Quando acreditei que necessitava de um programa na TV, eu o consegui! Quando necessitava de multidões rejeitadas, eu as consegui! Todas eram coisas boas em si mesmas; mas eu passava anos orando: "Deus, prova teu poder! Envia-me dinheiro, estou endividado! Abençoa-me, Senhor! Abençoa meu ministério! Responde às minhas orações! Deixa-me provar ao mundo que tu tens todo o poder. Cura os enfermos para provar que tu ainda és o mesmo hoje!"


   Assim, é raro Deus encontrar um cristão cujo único alvo seja conhecer e fazer a vontade de Deus — como Jesus conhecia e fazia — e que nunca diz: "Deus, onde estás?" mas, ao invés, ora: "Deus, onde me encontro nesta questão de obediência e dependência?"


   Quando comparecermos perante o trono de juízo, não seremos julgados pelo número de curas que realizamos, ou por quantos demônios expelimos, ou pelo número de orações que vimos respondidas, ou por quantas grandes obras realizamos. Seremos julgados com base em nossa dependência e obediência à Palavra e à vontade de Deus.


   No dia e época em que vivemos, temo-nos tornado bons para "dar ordens" a Deus. Damos ordens ao diabo e aos demônios; damos ordens às fortalezas para que caiam. Isso é tudo muito bom — mas só quando clamamos: "O Deus! Ordena-jree/ Dize-me o que fazer — mostra-me como fazer a tua vontade, como obedecer a cada palavra que sai da tua boca."


   Através de todas as coisas, Deus nos está dizendo: "Quero ser sua única provisão, sua única esperança. Quero ser seu único objeto de confiança." Meu clamor é: "Ó Deus, tu cuidas do dinheiro — apenas dá-me a tua mente. Tu cuidas da minha saúde, minha família, minhas necessidades — apenas dá-me a tua Palavra."


Jesus é toda palavra que procede de Deus!

   "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós. Vimos a sua glória, a glória como do unigênito do Pai" (João 1:1,14).


   Quanto do Verbo se fez carne? Todo ele! "Pois nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Colossenses 2:9). Assim sendo, como podemos viver de toda palavra que procede da boca de Deus? Será que é pegando um bloco e um lápis e anotando todos os mandamentos de Jesus, depois nos disciplinando a fixar cada um deles até que os dominemos? Amados, mesmo depois de decorridos todos esses anos de pregação, não conheço ainda todos os muitos preciosos mandamentos do Senhor!


   Segundo meu modo de ver, há apenas um meio de agradar ao Senhor: Apresentar seu corpo a ele- tirar o eu do caminho - e deixar Jesus viver sua vida em você. Paulo disse: "E já não vivo, mas Cristo vive em mim" (Gaiatas 2:20). Não era uma vida do espírito, mística, vivida dentro dos limites da mente. Não! Paulo continua no mesmo versículo: "A vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé no Filho de Deus". Devemos oferecer nossos membros a Deus "como instrumentos de justiça" (Romanos 6:13).


   É aqui onde Deus nos está guiando àquela grande e boa terra, cheia de leite, mel, azeite e vinho — as bênçãos espirituais em Cristo para as quais Deus nos vem preparando. Quando tivermos um corpo tão morto, crucificado, humilhado e dependente, Cristo o possuirá e viverá sua vida nele e através dele. Deus não trabalha por meio da carne — nem mesmo da "boa" carne. Ele só trabalha por intermédio de seu Filho Jesus!


   Paulo era um homem "bom" — santo, imaculado, que guardava os mandamentos de Deus. Mas esse "bom" Paulo tinha de morrer diariamente de modo que Cristo pudesse realizar sua obra e viver sua vida em Paulo. Há um hino que diz: "Quem dera eu fosse sua mão estendida, alcançando os oprimidos... " Isso é tão verdadeiro! Quando impusermos as mãos sobre enfermos, nada acontecerá a não ser que sejam em realidade as mãos de Cristo estendidas, com o eu posto de lado e Jesus realizando as obras de seu Pai por nosso intermédio.


   Quanto a Paulo, o segredo era: "Não eu, mas Cristo" — um desvestir diário de Paulo e um vestir diário de Cristo. Entretanto, muitos de nós não queremos viver Jesus; queremos apenas usá-lo quando for conveniente — desvestir-nos de Jesus e vestir outra roupa!


   Viver Cristo não é coisa complicada. Primeiro, você deve querer a vida dele — de todo o coração e mente. A seguir você deve sair do caminho, jogar tudo sobre ele, confiando em que ele possua você por completo. Por fim, creia que o tanto que de você foi esvaziado, ele o encherá - consigo próprio!


Extraído do Livro "David Wilkerson - Exorta A Igreja"