sábado, 21 de agosto de 2010

A Espiritualidade de Jesus

Hernandes Dias Lopes

   A transfiguração foi uma antecipação da glória, um vislumbre e um ensaio de como será o céu (Mateus 16.28). Aprendemos aqui algumas verdades fundamentais sobre a espiritualidade de Jesus.

1. A espiritualidade de Jesus é fortemente marcada pela oração

   O evangelista Lucas apresentou Jesus como o Homem perfeito. Por isso, registrou com maior ênfase o seu intenso ministério de oração. A oração não era algo periférico e lateral na vida de Jesus. Toda a sua vida foi uma busca pela intimidade com o Pai. Ele tinha prazer em estar com o Pai. Jesus orou no rio, no deserto, no mar, no monte, no jardim, nos lares, na sinagoga, no templo, na beira de um túmulo, na cruz. Orou em momentos alegres e também quando estava tomado de profunda tristeza. Orou ao iniciar seu ministério e orou ao terminar sua obra redentora na cruz. Orou enquanto viveu aqui na terra e agora no céu ainda intercede por nós.

   Jesus subiu o monte da transfiguração com o propósito de orar (Lucas 9.28). A transfiguração veio como resultado de oração. "E aconteceu que, enquanto ele orava, a aparência do seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeceram de brancura" (Lucas 9.29). A oração traz a glória do céu à terra. A oração nos envolve em um clima celestial. Pela oração penetramos além do véu, no santo dos santos, na sala do trono, onde a glória de Deus resplandece.

   A oração é uma via de mão dupla, onde nos deleitamos em Deus e Deus tem prazer em nós. Não apenas Jesus buscava a intimidade com o Pai, mas também o Pai tinha prazer no seu Filho unigênito. "... e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo... " (Mateus 17.5).

   Que pai não se alegra em ver que seu filho tem prazer em estar com ele? Deus nos ama. O amor tem pressa para estabelecer comunhão. Deus procura adoradores. O amor busca a aproximação. Nós somos a delícia e a menina dos olhos de Deus. Ele se deleita em nós com alegria. Alegra-se em nós como o noivo se alegra com a noiva (Isaías 62.4, 5: Sofonias 3.17). Seria muito estranho se um filho procurasse o pai apenas para pedir alguma coisa. Nesse caso, o filho não revelaria amor ao pai, mas apenas um interesse egoísta. A relação com o pai, então, seria meramente mercantilista e utilitarista. A essência da oração é a comunhão com Deus. O maior anseio de quem ora não são as bênçãos de Deus, mas o Deus das bênçãos. A intimidade com Deus é o maior tesouro, a mais gloriosa experiência que podemos ter na vida, é a própria essência da vida eterna (João 17.3). Por isso, Jesus muitas vezes saía para os montes e passava noites inteiras orando ao Pai, longe dos holofotes, afastado do burburinho da multidão, buscando as alturas excelsas da intimidade com o Pai.

   Dois fatos são dignos de destaque na transfiguração de Jesus: Em primeiro lugar, diz o texto que o rosto de Jesus transfigurou-se. Lucas registra: "... enquanto ele orava, a aparência do seu rosto se transfigurou... " (Lucas 9.29). Mateus coloca: "E foi transfigurado diante deles: o seu rosto resplandecia como o sol... " (Mateus 17.2). O nosso corpo precisa ser vazado pela luz do céu. O nosso corpo também precisa resplandecer. Ele é santuário de Deus, onde a glória de Deus deve resplandecer com todo o seu fulgor. O nosso corpo é de Deus: foi feito, comprado e habitado por Deus. Devemos glorificar a Deus no nosso corpo. O rosto é a síntese da nossa identidade. Por ele somos conhecidos. Por ele nos revelamos. A nossa apresentação física precisa ser vazada pelo sagrado. A glória de Deus, a shekiná de Deus, precisa brilhar em nós e resplandecer através de nós.

   Em segundo lugar, diz o texto que as vestes de Jesus também resplandeciam. Mateus afirmou que "... as suas vestes tornaram-se brancas como a luz" (Mateus 17.2). Marcos acrescenta um novo dado: "... as suas vestes tornaram-se resplandecentes e sobremodo brancas, como nenhum lavandeiro na terra as poderia alvejar" (Marcos 9.3). Lucas, de maneira mais sucinta, descreveu: "... e suas vestes resplandeceram de brancura" (Lucas 9.29). As nossas vestes revelam o nosso íntimo, mais do que cobrem o nosso corpo. Retratam o nosso estado interior e demonstram o nosso senso de valores. Elas precisam ser vazadas pelo sagrado. A luz do céu também precisa resplandecer em nossas vestes, que devem ser santificadas. Desde o Éden, Deus estabeleceu a necessidade de vestir-nos com decência. Foi Deus quem fez as primeiras vestes decentes para a mulher e para o homem, em substituição às roupas pouco convenientes que eles estavam trajando. Parece, entretanto, que a palavra de ordem hoje em nossa cultura é despir o homem e a mulher, ou tanger-lhes com roupas cada vez mais sumárias e provocantes.

   É bem verdade que a forma de vestir-se varia de cultura para cultura, de povo para povo e de época para época. Não nos vestimos hoje da mesma maneira que se vestiram os puritanos do século XVII. De certa forma, precisamos andar na moda, para não destoarmos do comum e do normal. Porém, não podemos ser regidos por todas as nuanças da moda. Devemos ser guiados pela Palavra de Deus, que nos recomenda sensatez, bom senso, modéstia e decência nesse campo. Não podemos render-nos aos ditames e caprichos de uma moda que não leva em conta a santidade do corpo: antes, o explora sensualmente, despertando nas pessoas a concupiscência dos olhos.

   Precisamos compreender que o nosso corpo não é para a impureza, mas para o Senhor. Nosso corpo é membro de Cristo. Não temos o direito de defraudar as pessoas com a nossa forma pouco criteriosa de vestir-nos. As nossas roupas precisam ser santificadas.

   Há duas formas de uma pessoa chamar a atenção para si: Quando se distancia demais da moda, a ponto de tornar-se ridícula, e quando é regida por ela, a ponto de perder a decência. E óbvio que não podemos ser legalistas quanto a esta matéria. Não defendemos a santidade medida pela fita métrica. Uma pessoa pode cobrir o corpo da cabeça aos pés e ter um coração sujo e impuro. Todavia, nossas roupas revelam quem somos e para quem nos vestimos.

   Devemos vestir-nos para a glória de Deus. A luz do céu precisa resplandecer também em nossas roupas. O resplendor de Deus precisa penetrar na nossa identidade e nossa revelação. Quem somos e como nos manifestamos, isso precisa estar debaixo da luz de Deus!

   A oração de Jesus no monte ainda nos evidencia outras duas verdades tremendas: Primeiro, na transfiguração Jesus foi consolado antecipadamente para enfrentar a cruz. O grande assunto no topo daquele monte cheio de luz celestial foi o calvário. "Eis que dois varões falavam com ele: Moisés e Elias, os quais apareceram em glória e falavam da sua partida, que estava para cumprir em Jerusalém" (Lucas 9.30, 31). Quando oramos, Deus nos prepara para enfrentar os momentos difíceis da vida. Quando buscamos a face de Deus, somos consolados com antecipação. Pela oração, somos capacitados a enfrentar as dificuldades sem temor. Jesus passaria por terríveis angústias: seria preso, açoitado, cuspido, ultrajado, escarnecido, pregado numa cruz. Mas, pela oração, o Pai o capacitou a beber aquele amargo cálice sem retroceder. Na hora da prova, Pedro fugiu e começou a seguir Jesus de longe. Misturou-se com os ímpios, assentou-se na roda dos escarnecedores e negou a Jesus. Isso porque, em vez de orar, nas horas mais cruciais Pedro estava dormindo. Dormindo no monte da transfiguração e dormindo no vale do Cedrom, no Getsêmani. Quem não ora não tem poder para enfrentar as grandes tensões da vida. Quem não ora desespera-se na hora da aflição. A oração abre para nós as janelas do céu e canaliza em nossa direção as torrentes caudalosas das consolações que emanam no trono de Deus. E pela oração que triunfamos. Através dela somos capacitados com poder para cumprir o nosso ministério. Sem oração, o nosso coração desmaia no vale da crise. Sem oração, fraquejamos ao sinal da primeira turbulência. Sem oração, perdemos a provisão do céu, ficamos vazios de poder e impotentes para triunfar nos tempos de aflição. A oração nos coloca acima das nuvens tempestuosas, nos eleva acima dos problemas.

   No dia 1º de dezembro de 1982, recebi a notícia do falecimento do meu pai. Nesse tempo eu era pastor na Primeira Igreja Presbiteriana de Bragança Paulista, em São Paulo. No outro dia bem cedo, tomei um avião em Congonhas em direção a Vitória. Era uma manhã chuvosa. As nuvens estavam densas e escuras. Meu coração apertado parecia sintonizado com o aspecto melancólico daquele dia. Tão logo o avião decolou, atravessou o nevoeiro denso e lá em cima tudo estava ensolarado e brilhando. As nuvens pardacentas haviam ficado embaixo. Naquele momento, Deus ministrou uma palavra de consolo ao meu coração. Quando buscamos o abrigo da intimidade com Deus, através da oração, cruzamos também as tempestades da vida e recebemos consolo e forças para enfrentar as aflições.

   Em segundo lugar, em resposta à oração de Jesus, o Pai confirmou o seu ministério. Os discípulos, desprovidos de entendimento espiritual, nivelaram Jesus com representantes da lei e dos profetas, igualaram Jesus a Moisés e a Elias. Jesus, porém, não discute, não faz diante deles uma apologia em defesa de sua divindade. Ele simplesmente ora e o Pai incumbe-se de corrigir a distorção teológica de Pedro. "Então, disse Pedro a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui: se queres, farei aqui três tendas: uma será tua, outra para Moisés, outra para Elias. Falava ele ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu: e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi" (Mateus 17.4, 5). Marcos registra: "E de relance, olhando ao redor, a ninguém mais viram com eles, senão Jesus" (Marcos 9.8).

   Quando você ora, Deus honra você. Você não precisa defender-se, você precisa orar. A oração vale mais do que mil argumentos. Não é preciso defender a sua honra, é preciso cultivar a sua intimidade com Deus. Você não precisa brigar por seus direitos, você precisa estar diante do trono. Você não precisa lutar para agradar as pessoas, você precisa agradar o coração do Pai. Quando você dá prioridade a Deus em sua vida, ele honra você diante das pessoas, defende a sua causa e o exalta até mesmo diante dos seus adversários. Quando você cuida da sua piedade, Deus cuida da sua reputação. Quando o profeta Daniel foi alvo da conspiração de seus inimigos, ele não revidou com as mesmas armas, a fim de desmascarar os seus desafetos: ele simplesmente orou, e Deus o honrou. Pedro, no Getsêmani, por desprezar o poder que vem através da oração, usou contra o soldado romano a força da carne e, com a sua espada, cortou a orelha de Malco. Muitas brigas, contendas e disputas no lar, na igreja e na sociedade acontecem porque buscamos defender a nós mesmos quando somos atingidos, em vez de orar. A oração não apenas desestabiliza e desarticula o poder do mal contra nós, mas também aciona o poder do céu em nossa defesa. Quando cuidamos das coisas de Deus, ele cuida das nossas coisas. Quando cuidamos do nosso relacionamento com Deus, ele cuida da nossa reputação.

   Além de não defender seu ministério, Jesus não tocou trombetas para propagar suas gloriosas experiências. Sua espiritualidade não era autoglorificante. Vejamos como Mateus registra esse fato: "E, descendo eles do monte, ordenou-lhes Jesus: A ninguém conteis a visão, até que o Filho do Homem ressuscite dentre os mortos" (Mateus 17.9). A espiritualidade que faz propaganda de seus feitos, que alardeia suas experiências e enaltece a si mesma é doentia. Os fariseus gostavam de tocar trombetas para alardear suas virtudes. Eles aplaudiam a si mesmos. Colocando-se no pedestal, faziam a si mesmos os maiores encômios e elogios. Não se contentavam apenas em anunciar suas virtudes, mas tinham um prazer mórbido de denunciar os pecados dos outros. Jesus os confrontou com firmeza. Mostrou a falsidade da sua espiritualidade. A humildade deve ser a marca registrada da verdadeira espiritualidade. Quem tece elogios a si mesmo revela uma espiritualidade trôpega. Quem busca o aplauso dos homens ou tenta impressionar as pessoas com a sua espiritualidade precisa usar máscaras para esconder a sua glória desvanecente.

2. A espiritualidade de Jesus é marcada pela obediência ao Pai

   A obediência absoluta e espontânea ao Pai foi o apanágio da vida de Jesus. Na economia da redenção, ele se dispôs a abrir mão da sua glória, tornando-se homem e sujeitando-se aos desígnios soberanos do Pai.

   No conselho da Trindade, Jesus ofereceu-se para vir ao mundo e dar sua vida em resgate daqueles a quem o Pai escolhera antes da fundação do mundo. Jesus veio ao mundo para morrer. A cruz foi o alvo que esteve sempre diante dos seus olhos. Nada demoveu Jesus do caminho do calvário. A cruz para ele não foi um acidente, uma surpresa. Ele não morreu como um mártir. Ele declarou: " [a minha vida] ninguém a tira de mim: pelo contrário, eu espontaneamente a dou". Jesus foi para a cruz a fim de cumprir um propósito eterno do Pai. Jesus morreu porque o Pai o entregou por amor. Deus não poupou o seu próprio Filho: antes, por todos nós o entregou. Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Não havia outro caminho possível para a nossa salvação, senão a cruz de Cristo. Fora da cruz de Cristo, não há esperança para o homem.

   Portanto, ao vir ao mundo, Jesus veio como enviado do Pai, para morrer em nosso lugar e em nosso favor. Essa foi sua missão. Moisés e Elias, representantes da lei e dos profetas, apareceram no monte da transfiguração, conversando com Jesus sobre sua partida para Jerusalém que estava prestes a cumprir-se (Lucas 9.30, 31), ou seja, falavam sobre sua morte na cruz. A palavra usada neste texto para partida é êxodos. O êxodo foi a libertação do povo de Israel do cativeiro egípcio. Com o seu êxodo, Jesus nos libertou do cativeiro do pecado. Sua morte nos trouxe vida. Pelas suas pisaduras fomos sarados. O êxodo de Jesus para Jerusalém, para o calvário, para a cruz, foi a pauta da reunião no monte da transfiguração. Jesus não fugiu do assunto. Ele não mudou a conversa. Não alterou seus planos nem sua agenda. Submeteu-se inteiramente ao propósito eterno do Pai. Logo que desceram do monte, Jesus libertou o menino possesso e, diante do espanto e entusiasmo de todos com o seu extraordinário poder, disse para os seus discípulos: "Fixai nos vossos ouvidos as seguintes palavras: o Filho do Homem está para ser entregue nas mãos dos homens" (Lucas 9-44).

   Jesus está determinado a cumprir cabalmente a sua missão. Ele caminha na direção do calvário. Ele não foge da cruz. Sabe o que vai acontecer. Conhece o que está sendo tramado contra ele nas caladas da noite. Tem consciência da orquestração que os homens maus, mancomunados, estão fazendo para condená-lo à morte. Ele conhece a avareza de Judas, a inveja dos sacerdotes, a covardia de Pilatos, a volubilidade da multidão, a frieza dos soldados romanos. Mesmo sabendo que sua hora estava chegando, que o caminho para a cruz se afunilava, ele não recuou. Pelo contrário, Lucas registra: "E aconteceu que, ao se completarem os dias em que devia ele ser assunto ao céu, manifestou, no semblante, a intrépida resolução de ir para Jerusalém" (Lucas 9.51).

   Jesus caminha para a cruz como um rei caminha para a coroação. Antes de ser levantada no topo do Gólgota, a cruz foi cravada no coração de Jesus e podia ser vista no seu próprio semblante. Até mesmo os samaritanos conseguiram discernir a intrépida e resoluta decisão de Jesus de ir para Jerusalém (Lucas 9.53). Quando Jesus chegou a Jerusalém, estabeleceu um memorial, a Santa Ceia, para que a igreja relembrasse a sua morte até a sua segunda vinda (Lucas 22.19, 20). Ao descer ao Vale do Cedrom, no sopé do Monte das Oliveiras, no Jardim do Getsêmani, Jesus travou uma batalha de sangrento suor. E qual foi o propósito daquela profunda angústia de Jesus? Fazer a vontade do Pai (Lucas 22.39-46)!

   A espiritualidade de Jesus foi timbrada pela obediência ao Pai. Ele andou em sintonia com a vontade do Pai. Quando estava para entregar-se como sacrifício pelos nossos pecados na cruz, orou ao Pai, dizendo: "Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer" (João 17.4). Agora, deitado no leito vertical da morte, suspenso entre a terra e o céu, bradou com triunfo: "Está consumado! E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito" (João 19.30).

   Hoje muitas pessoas desenvolvem uma espiritualidade mística, carismática, mas sem obediência. São fervorosas no culto, mas desonestas nos negócios. Moralistas na igreja, mas carnais em casa. Carismáticas na liturgia, mas contraditórias na ética. Têm carisma, mas lhes falta caráter. Têm dons, mas não têm o fruto do Espírito.

   Quando Jesus concluiu o sermão do monte, alertou para o perigo de uma religiosidade fervorosa, porém divorciada da obediência: "Muitos, naquele dia, hão de dizer: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci! Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade" (Mateus 7.22, 23). Essas pessoas tinham ortodoxia: chamaram Jesus de Senhor. Eram fervorosas: exclamaram Senhor, Senhor! Eram carismáticas: tinham dons extraordinários, profetizavam e operavam milagres. Eram exorcistas: expeliam demônios. Faziam tudo isso em nome de Jesus: mas, ao mesmo tempo, praticavam a iniqüidade (Mateus 7.23). Por isso, não eram conhecidas pelo Senhor e precisavam apartar-se para sempre da sua presença (Mateus 7.23).

   Deus requer do seu povo obediência. Quem pode rebelar-se contra o Todo-poderoso e prevalecer? Quem pode insurgir-se contra a Palavra do Deus vivo e ainda ficar de pé no dia do juízo? Ou obedeceremos a Deus para viver em glória com ele, ou seremos banidos para sempre da sua presença (2 Tessalonicenses 1.7-10).

3. A espiritualidade de Jesus é marcada por poder para desbaratar as forças do inferno

   O ministério de Jesus foi profundamente comprometido com a libertação dos cativos (Lucas 4.18). Ao mesmo tempo que Jesus é o libertador dos homens, também é o atormentador dos demônios. Ele andou por toda a parte libertando os oprimidos do diabo (Atos 10.38). Diante dele os demônios devem prostrar-se, calar-se e depois bater em retirada. Os demônios jamais puderam resistir à autoridade de Jesus.

   Jesus disse à casta de demônios que atormentava aquele menino: "Sai... e nunca mais tornes a ele" (Marcos 9.25-27). O poder de Jesus é absoluto e irresistível. Ante à autoridade da sua Palavra, o diabo e suas hostes precisam baixar a crista e retirar-se, vencidos. O menino foi libertado, as algemas foram quebradas, os grilhões foram despedaçados, e a glória de Deus se manifestou onde antes só se viam os sinais da escravidão do inferno.

   Tenho visto muitas pessoas escravizadas pelo poder dos demônios. Era um domingo de manhã. Eu ministrava um estudo bíblico na Escola Dominical da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória, quando fui chamado às pressas para atender a uma emergência no pátio da igreja. Uma mulher chegara ali possessa, furiosa, indomável. Algumas pessoas de destacado vigor físico tentaram segurá-la. Ela se contorcia e rangia os dentes. Ao chegar à sala para onde a levaram, o demônio foi logo esbravejando: "Eu não saio daqui. Ela é minha. Eu vou destruí-la". Na autoridade do nome de Jesus, dei ordens ao espírito maligno para que se retirasse dela, e a mulher imediatamente caiu ao chão, livre, liberta, sem saber onde estava. O seu estado físico era tão crítico que a pobre não conseguia ficar de pé. Estava debaixo de um domínio opressor. Era um capacho do diabo. Mas Jesus a libertou. Há poder no nome de Jesus. Diante dele todo joelho tem de dobrar-se no céu, na terra e debaixo da terra.

   Há alguns anos, entrou em meu gabinete pastoral uma jovem aparentando uns vinte e cinco anos. Oriunda de um lar evangélico, afastou-se da igreja e não tardou para envolver-se com o espiritismo. Contou-me sobre as perturbações que começou a sentir depois que se enredou com práticas ocultistas. A depressão, o medo, a solidão e o sentimento avassalador de autodestruição dominavam a sua mente. Depois que ela partilhou comigo sua amarga experiência, comecei a falar-lhe da sua necessidade de voltar para Deus e da libertação que Jesus oferecia. Nesse momento, a jovem petrificou-se na minha frente, ficando imóvel como uma estátua. Tomada por entidades malignas, não conseguia ouvir a Palavra de Deus. Então, em nome de Jesus, ordenei ao espírito maligno que a deixasse. Ao ser a jovem libertada, Deus restaurou a sua mente, e ela se voltou para o Senhor.

   Mesmo o poder mais violento e destruidor do inferno está sob a autoridade de Jesus. Era noite e os discípulos tinham acabado de passar por uma borrascosa tempestade no mar da Galiléia. Aportaram em Gadara, região cheia de desfiladeiros. O local era sombrio, à beira de um cemitério. De repente, apareceu um homem louco, desvairado, nu, sangrando, ferindo-se com pedras, com o semblante desfigurado, tomado de fúria. A cena era pavorosa. Ninguém ousava passar por aquele caminho. Aquele homem tinha dentro de si uma legião de demônios. Nem com cadeias ele podia ser detido. A família já havia desistido dele. Ele andava de dia e de noite gritando entre os sepulcros. Era uma ameaça à ordem social, um monstro celerado, uma horda de demônios debaixo de pele humana. Jesus vai à terra de Gadara apenas para libertar essa pobre vítima do inferno.

   Ao ver Jesus, o possesso prostrou-se aos seus pés, tremendo de medo. Os demônios sentiram-se acuados e atormentados na presença de Jesus. Um fato estranho ocorre na narrativa: Os demônios pedem para Jesus não mandá-los para fora do país, mas para uma manada de dois mil porcos que pastavam nos arredores. Jesus atendeu ao pedido dos demônios. E por que Jesus atendeu a esse pedido? Por três razões: Primeiro, para mostrar-nos o terrível poder destruidor que estava dentro daquele homem. Aquele homem louco tinha dentro de si uma legião de demônios. Legião era um grupo de soldados romanos composto de seis mil homens. Havia uma corja infernal, composta de seis mil demônios, instalada dentro daquele homem. Sua vida se tornara um inferno existencial. Havia dentro dele um terrível poder destruidor. Segundo, para revelar a inversão de valores do povo de Gadara. Aquele povo dava mais importância aos porcos do que às pessoas. Quando os gadarenos viram o homem liberto e os porcos mortos, expulsaram Jesus da região. Eles amavam mais os porcos do que a Deus. Amavam mais os porcos do que os homens, mais as riquezas do que as pessoas. Terceiro, para demonstrar que os demônios também estão debaixo da sua autoridade. Os demônios foram para onde Jesus os mandou. E só foram porque Jesus assim ordenou. Eles estavam debaixo das ordens de Jesus. Diante de Jesus, até os demônios se dobram.

   Para Jesus não há caso irrecuperável. Não há causa perdida. Não há cativeiro tão resistente que ele não possa estourar. Jesus fez daquele homem atormentado e escravizado pelos demônios uma pessoa livre, lúcida, restaurada, útil para a sua família e um missionário em sua terra. Antes, ele era um problema para a família: agora, deve anunciar a todos o que Deus fez por ele. Antes, uma maldição: agora, uma bênção. Jesus tirou-o das profundezas do abismo e lançou-o como portador de boas-novas de salvação. Transformou-o de um agente do inferno em um embaixador do céu.

   A intervenção libertadora de Jesus na vida do menino possesso, que os apóstolos não conseguiram libertar, trouxe de igual modo benefícios esplêndidos: Primeiro, o menino foi curado (Lucas 9.42). Sua mente perturbada foi restaurada. Seu corpo machucado, ferido por ser tantas vezes jogado na água, no fogo e por terra, encontra descanso. Sua alma oprimida, arrastada com violência para direções opostas, foi serenada. A cura física, psicológica, emocional e espiritual raiou na vida daquela pobre criança. Em segundo lugar, o menino foi devolvido ao seu pai (Lucas 9.42). Onde o diabo domina, há desintegração da família. Ele é intruso, ladrão e opressor. Onde ele se enfia, feridas são abertas, a paz é roubada, a comunhão acaba e a harmonia da família é sacrificada. Por isso, ao curar e libertar o menino do demoníaco poder opressor, Jesus o devolveu aos braços daquele que realmente o amava e por ele sofria. A libertação de Jesus traz restauração para a família. Em terceiro lugar, a ação libertadora de Jesus estende sua abrangência para além dos limites da pessoa e da família. Diz o evangelista Lucas que "todos ficaram maravilhados" (Lucas 9.43) ao ver o menino liberto. A libertação do cativo e a restauração da família são um testemunho poderoso para o povo, um extraordinário impacto na sociedade. Finalmente, a ação libertadora de Jesus não apenas tem grandes reverberações na terra, mas também alcança o céu. A ação de Jesus não apenas abençoa os homens, mas também promove a glória de Deus. Lucas diz que "todos ficaram maravilhados ante a majestade de Deus" (Lucas 9.43). Na verdade, o fim último e principal da obra libertadora realizada por Jesus é a manifestação e a promoção da glória de Deus. Toda a manifestação de poder deve levar as pessoas a ficar maravilhadas com a majestade de Deus.
A CONCLUSÃO

   À luz do que vimos até aqui, podemos afirmar que a verdadeira espiritualidade tem algumas marcas distintas. Primeiro, ela é cristocêntrica (Mateus 17.5). O próprio Deus fala do céu, evidenciando que Cristo deve ser a pessoa central da nossa devoção. Segundo, ela é centralizada na cruz (Lucas 9.31). A cruz é a síntese, a essência e o conteúdo do evangelho. Terceiro, ela deságua na obediência à voz de Deus (Mateus 17.5). A voz de Deus que emanava da nuvem luminosa era: "... este é o meu Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi". Não há verdadeira espiritualidade sem obediência a Jesus. Quarto, ela afasta o medo de Deus (Mateus 17.6, 7). Deus não está distante. Podemos ter intimidade com ele. Podemos aninhar-nos debaixo de suas asas e refugiar-nos no seu colo.

   Vimos na narrativa da transfiguração as faces da espiritualidade: êxtase sem entendimento, discussão sem poder, e a espiritualidade de Jesus, timbrada pela oração, obediência e poder.

   Que tipo de espiritualidade é a sua: No monte, mas sem discernimento? Uma fuga sem enfrentamento? Agarrado no sono e não na oração? No vale, mas sem poder? No meio do povo, mas sem autoridade para ajudar os aflitos? No meio da multidão, mas sem poder sobre as hostes do inferno? Discutindo grandes assuntos, com a cabeça cheia de luz, mas com o coração vazio de fogo e desprovido de autoridade espiritual?

   Creio que a experiência dos discípulos que subiram com Jesus ao monte retrata claramente muitos cristãos de nossos dias. São pessoas que andam com Jesus, que estão perto de Jesus, que vêem coisas que os outros não vêem, que ouvem a voz de Deus com clareza, mas não levam uma vida intensa de oração. Até possuem grandes experiências sensitivas, sobem às alturas excelsas do emocionalismo, mas estão desprovidos de entendimento espiritual. Vemos hoje uma igreja que quer sentir, e não conhecer, uma igreja que quer ter arrebatamentos emocionais, não discernimento profundo.

   Por outro lado, há aqueles que vivem discutindo os grandes assuntos da teologia com outros que se julgam donos da verdade, mas estão áridos como um deserto. São pessoas que sabem muito, mas não têm poder para confrontar o diabo. Permanecem impotentes diante dos grandes desafios que a multidão apresenta.

   Precisamos fugir desses dois extremos revelados pelos discípulos, quer no monte, quer no vale. Precisamos aprender com Jesus. Ele nos ensina a dar prioridade à nossa relação com Deus, a buscar intimidade com o Pai. Ele nos ensina que o caminho da obediência, mesmo que passe pela cruz, é o único que pode dar sen¬tido à nossa vida. Aqueles que oram e obedecem a Deus são revestidos com poder para vencer o diabo.

   Precisamos subir o monte para buscar a Deus com entendimento. Precisamos descer ao vale para exercer um ministério de obediência e poder, de cura e libertação. Precisamos olhar sempre para Jesus. Ele é o nosso supremo modelo. Em Cristo encontramos a face da verdadeira espiritualidade!



Extraído do Livro "As faces da espiritualidade - Hernandes Dias Lopes"

 


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