quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A Espiritualidade do Monte: Êxtase sem entendimento

Por Hernandes Dias Lopes


   Pedro, Tiago e João sobem o monte da transfiguração com Jesus, mas não alcançam as alturas espirituais da intimidade com Deus. A mente deles estava ainda confusa, e o coração, fechado.


1. Os discípulos andam com Jesus, mas não conhecem a intimidade do Pai.

   Jesus subiu o monte da transfiguração para orar. "Cerca de oito dias depois de proferidas estas palavras, tomando consigo a Pedro, João e Tiago, subiu ao monte com o propósito de orar. E aconteceu que, enquanto ele orava, a aparência do seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeciam de brancura" (Lucas 9.28, 29).


   A motivação de Jesus era estar com o Pai. Ele sempre fez da oração a mola propulsora do seu ministério. Lucas, mais do que qualquer outro evangelista, registra o intenso ministério de oração de Jesus. O médico gentio escreveu para os gregos e apresentou Jesus como o Homem perfeito. Sua grande tese é que o poder com que Jesus realizou seu ministério e operou os grandes prodígios veio da oração. No rio Jordão, Jesus orou e o céu se abriu. Ali o Pai confirmou o seu ministério e o Filho foi revesti¬do com o poder do Espírito Santo (Lucas 3.21, 22). Cheio do Espírito Santo, Jesus foi ao deserto e ali orou e jejuou durante quarenta dias. O diabo usou todo o seu arsenal para tentar Je¬sus, mas ele o venceu com a espada do Espírito, a Palavra (Lucas 4.1-13). Mesmo quando as multidões o procuravam, Jesus se retirava para orar. Para ele a oração era mais importante que 0 sucesso no ministério. Todavia, depois que Jesus deixava o recesso da oração, o poder de curar estava sobre ele (Lucas 5.15-17). Antes de escolher os doze discípulos, Jesus passou uma noite inteira orando, buscando a clara e específica vontade do Pai. Ele escolheu os apóstolos debaixo da direção do Pai. Ele não apenas orou a Deus, ele fez a oração de Deus. Esta é a única ocorrência no Novo Testamento em que aparece a expressão "oração de Deus". Jesus buscou com toda a determinação fazer a vontade do Pai ao escolher a liderança da igreja (Lucas 6.12-16). Quando foi para Cesaréia de Filipe, ele também orou, pedindo a Deus pleno entendimento para os seus discípulos, a fim de que entendessem a sua missão (Lucas 9.18-22). Agora, Jesus está orando no cume do monte, sendo preparado e consolado para enfrentar a cruz (Lucas 9.28-31). A oração é uma fonte de con¬solo. Ela nos prepara para os momentos de vale. Jesus orou no Getsêmani com tamanha intensi¬dade que chegou a suar sangue. E o que buscava Jesus? Fazer a vontade do Pai (Lucas 22.39-46). Jesus orou pregado na cruz, e sua oração quebrou a dureza do coração do ladrão crucificado à sua direita (Lucas 23.34-43).


   A vida de Jesus é o supremo modelo de oração que encontramos na Bíblia. A passagem que estamos examinando diz que Jesus sobe ao monte com o propósito de orar, mas em momento algum o texto diz que Pedro, João e Tiago estão orando com ele. Os discípulos não sentem necessidade de oração nem prazer nisso. Eles vêem coisas espetaculares, ouvem vozes celestiais, deixar-se envolver por uma aura celeste, mas não conseguem orar. A intimidade com o Pai não é a sede da alma deles. Eles estão no monte a reboque, mas não estão alimentados pela mesma motivação de Jesus. Semelhantemente, é possível estar no cume do monte, vivendo experiências arrebatadoras, sem desfrutar da intimidade com Deus. É possível pisar em terra santa e viver em um clima celestial, sem contudo derramar o coração no altar da oração.


2. Os discípulos estão diante da manifestação da glória de Deus, mas, em vez de orar, eles dormem

   Jesus foi transfigurado porque orou (Lucas 9.28, 29). Os discípulos não oraram e por isso foram apenas espectadores. Porque não oraram, ficaram agarrados ao sono. A falta de oração embaçou-lhes a visão. Por falta de oração, eles ficaram privados de entendimento espiritual. Quem não ora, não enxerga cora os olhos da alma. Quem não ora, sofre de miopia espiritual. Um santo de joelhos enxerga mais longe do que um filósofo na ponta dos pés.


   A falta de oração apaga o fogo no altar do coração. Sem oração, o altar de incenso da nossa vida fica coberto de cinzas. O aroma de incenso deixa de subir à presença de Deus quando a oração cessa. A falta de oração endurece o coração, entorpece o entendimento espiritual e cauteriza a consciência. A falta de oração mata o verdor espiritual, deixa a alma seca e a vida árida como um cacto no deserto. A primeira coisa que morre na vida de uma pessoa que se afasta de Deus é a oração. Sem o oxigênio da comunhão com Deus, sem a respiração da alma, sem a oração, a vida espiritual agoniza.


   Os discípulos, em vez de se deleitarem com a manifestação da glória de Deus na face de Cristo, sucumbem ao poder do sono. As coisas mais santas, as visões mais gloriosas, as palavras mais sublimes não encontram guarida no coração deles. Eles estão embotados espiritualmente e desperdiçam uma tremenda e singular oportunidade. Quantas vezes, por falta de percepção espiritual, nós também somos privados de grandes bênçãos. Deus fala, Deus se revela, Deus se manifesta, mas nossos olhos estão pesados de sono. As coisas de Deus não nos entusiasmam. Perdemos a paixão pelo sagrado. Vamos à igreja, ouvimos a voz de Deus, mas o nosso coração continua gelado. Não nos alegramos na presença de Deus. Achamos o culto denso, pesado, tedioso, cansativo. Nosso prazer não é o Senhor. Nossa alma tem sede de outras coisas e não mais do Senhor. As coisas de Deus cansam os nossos olhos, entediam os nossos ouvidos e nos dão sono.


3. Os discípulos experimentam um êxta¬se, mas não têm discernimento espiritual

   Nem sempre as emoções fortes comprovam as experiências mais profundas. Os discípulos contemplam quatro fatos milagrosos. Primeiro, a aparição em estado de glória de Moisés e Elias no cume do monte. Segundo, a transfiguração do rosto e das vestes de Jesus. Terceiro, a nuvem luminosa que os envolve e, finalmente, a voz do céu que troveja em seus ouvidos.


   Os discípulos revelam nessa experiência uma profunda falta de discernimento:


3.1. Não discernem a centralidade da pessoa de Jesus

   "A seguir, veio uma nuvem que os envolveu: e dela uma voz dizia: Este é o meu Filho amado: a ele ouvi. E, de relance, olhando ao redor, a ninguém mais viram com eles, senão Jesus!" (Marcos 9.7, 8).


   Os discípulos estão cheios de emoção, mas vazios de entendimento. Querem construir três tendas, dando a Moisés e a Elias a mesma importância de Jesus. Querem igualar Jesus a Elias e Moisés. Estão diminuindo Jesus, nivelando-o com os homens. Estão subtraindo a glória do Filho de Deus, sublimando a sua divindade. Como o restante do povo, eles ainda estão confusos quanto à verdadeira identidade de Cristo (Lucas 9.18, 19). Não conseguem entender que Jesus é o próprio Deus feito carne. Eles andam com Jesus, mas não lhe dão a glória devida ao seu nome (Lucas 9.33)


   Onde Cristo não recebe a preeminência, a espiritualidade está fora de foco. O propósito eterno de Deus é que em todas as coisas Cristo tenha a primazia (Romanos 8.29). Tudo deve convergir para ele (Efésios 1.10). Ele é maior do que Moisés e Elias. A lei e os profetas apontaram para Cristo. Ele é a consumação da lei. O fim da lei é Cristo (Romanos 10.4). Ele é o conteúdo das profecias e o Messias apontado por todos os profetas. Os discípulos não discerniram a centralidade da pessoa de Jesus.


   O Pai corrigiu os discípulos, mostrando-lhes que Jesus é único, singular. "Enquanto assim falava, veio uma nuvem e os envolveu: e encheram-se de medo ao entrarem na nuvem. E dela veio uma voz, dizendo: Este é o meu Filho, o meu eleito: a ele ouvi!" (Lucas 9.34, 35). Essa voz foi diferente da voz que ecoou no Jordão. Lá no Jordão a voz foi para Jesus. O Pai estava confirmando para Jesus a sua divina filiação. Agora, a voz se dirige aos discípulos, reafirmando que Jesus não pode ser confundi¬do com os homens, sequer com os mais ilustres, nem colocado no mesmo pé de igualdade dos profetas. Jesus é o próprio Deus que se fez carne. Diante dele todo o joelho deve dobrar-se. Para ele deve ser toda a nossa devoção. A nossa espiritualidade deve ser cristocêntrica.


3.2. Não discernem a centralidade da missão de Cristo

   Moisés e Elias apareceram para falar da iminente partida de Jesus em Jerusalém. "Eis que dois varões falavam com ele: Moisés e Elias, os quais apareceram em glória e falavam da sua partida, que ele estava para cumprir em Jerusalém" (Lucas 9.30, 31).


   Eles falaram sobre a cruz. A cruz é o centro do ministério de Cristo. Ele veio ao mundo para morrer. A cruz não foi um acidente na vida de Jesus. Ele mesmo se entregou. Ele mesmo marchou para o Calvário, como um rei caminha para a coroação. A morte de Cristo não aconteceu simplesmente porque Judas o traiu por dinheiro, ou porque os principais sacerdotes o entregaram por inveja, nem mesmo porque Pilatos o sentenciou por covardia. Ele foi crucificado porque o Pai o entregou por amor. Ele morreu pelos nossos pecados. A sua morte sempre esteve nos propósitos inescrutáveis de Deus. O Cordeiro foi morto desde a fundação do mundo (Apocalipse 13.8). Todos os sacrifícios do Velho Testamento eram uma reafirmação da promessa de Jesus. Ele esvaziou-se de sua glória, fez-se servo para morrer a morte mais dolorosa, mais demorada e mais humilhante, a morte de cruz.


   Jesus veio para morrer pelas suas ovelhas (João 10.11), pela sua igreja (Efésios 5.25). Ele não veio ao mundo simplesmente para ser um Mestre, para fazer milagres ou para mudar conceitos e valores morais. Ele veio para morrer pelos nossos pecados.


   Herodes quis matar Jesus quando ele ainda era um infante. Satanás tentou desviar Jesus da cruz no deserto. As multidões tentaram desviar Jesus da cruz, fazendo-o rei. Pedro, dias antes da transfiguração, tentou demover Jesus de ir para a cruz. Ainda quando estava suspenso no leito vertical da morte, no tosco e rude madeiro, a voz do inferno vociferou na boca dos insolentes judeus: "Desça da cruz, e creremos nele" (Mateus 27.42). Mas Jesus subiu à cruz, porque, do contrário, nós desceríamos ao inferno. Ali Jesus assumiu o nosso lugar. Ali ele assumiu a nossa culpa. Ali ele carregou sobre o seu corpo, no madeiro, os nossos pecados. Ali ele esvaziou o cálice da ira de Deus, fazendo-se pecado por nós, morrendo a nossa morte, pagando com o seu sangue o nosso resgate. Em sua vida sem pecado, Jesus obedeceu à lei por nós. Em sua morte vicária, Jesus cumpriu a lei por nós, sofrendo o justo castigo que os nossos pecados merecem, a morte. Nós morremos com Cristo. Estávamos pregados naquela cruz. Quem morre, justificado está do pecado. Quem morre não deve mais nada à lei. A lei nada pode fazer com um morto. Mesmo que uma pessoa tenha sido sentenciada à prisão perpétua, quando morre, a lei perde o seu poder sobre ela. A lei não tem poder de alcançar uma pessoa morta. Quando Cristo morreu, ele morreu pelos nossos pecados. Quando Cristo morreu, morremos com ele. A morte de Cristo foi a nossa morte. Ele mor¬reu a nossa morte, para vivermos a sua vida. A nossa dívida foi paga, a justiça foi satisfeita, a jus-tificação foi declarada, a salvação foi garantida.


   Moisés e Elias, a lei e os profetas, aparecem para falar sobre a cruz. Os discípulos, porém, não conseguem entender a mensagem da cruz. O coração deles ainda está fechado. Eles estavam no monte, em estado de êxtase, mas lhes faltava o conhecimento da verdade mais excelente: a cruz de Cristo. Eles andavam com Cristo, mas não discerniam a sua missão. Viam coisas celestiais, mas não distinguiam a cruz. Estavam cercados por uma aura celestial, mas o coração deles não era capaz de discernir a verdade essencial (Lucas 9.44, 45).


   Hoje há igrejas que aboliram de seus púlpitos a mensagem da cruz. Pregam o que o povo gosta de ouvir. Falam sobre saúde, prosperidade, riqueza, sucesso: jamais sobre a cruz. A cruz é uma mensagem demasiado radical. Ela não oferece esperança para o velho homem. O velho homem não pode ser educado nem reformado: ele precisa morrer. A cruz é instrumento de morte. Cristo rejeitou o caminho do humanismo sem cruz, chamando-o de satânico (Mateus 16.23). O Evangelho que não põe a cruz de Cristo no centro é outro evangelho. Deve ser considerado anátema. A missão precípua de Jesus não foi reformar o homem, dar a ele saúde, riqueza e felicidade. Jesus veio buscar o perdido, salvar o pecador. Quando o diabo quis desviar Jesus da cruz no deserto, Cristo o escorraçou. Quando a multidão quis fazê-lo rei, interessada apenas nas justas causas sociais, Jesus virou as costas a esta pressão popular e fugiu. Quando Pedro repreendeu Jesus para que ele rejeitasse a cruz, tomando assim um caminho mais suave, Jesus sentenciou com firmeza: Arreda, Satanás! Quando os gregos o buscaram para que ele se tornasse um mestre por excelên¬cia na terra da filosofia, Jesus respondeu: "Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só: mas, se morrer, produz muito fruto" (João 12.24). Pedro mais tarde, no Pentecoste, afirmou que a morte de Cristo, embora fosse um hediondo crime dos judeus, estava estabelecida nos eternos decretos de Deus (Atos 2.23). Paulo, o apóstolo dos gentios, proclamou aos coríntios: "Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado" (1 Coríntios 2.2). A cruz de Cristo, a morte de Jesus, é o centro nevrálgico das Escrituras. Se removermos essa verdade do centro, não temos Evangelho para pregar.


3.3. Não discernem a centralidade de seus pró¬prios ministérios

   "Bom é estarmos aqui." Eles queriam a espiritualidade do êxtase, da fuga, não do enfrentamento. Queriam as visões arrebatadoras do monte, não os gemidos pungentes do vale. Queriam o arrebatamento emocional, as visões espetaculares, o milagre celestial, mas não se entusiasmaram em descer o vale. Contudo, é no vale que o ministério precisa ser exercido. É lá que há gente chorando, gemendo, sangrando, atormentada pelo diabo.   

   É mais cômodo cultivar a espiritualidade do conforto pessoal e do comodismo. É mais fácil viver em constante êxtase. E melhor estar no templo, participar de um louvor gostoso, vivo, perto de pessoas co-iguais, do que descer ao vale cheio de dor e opressão. Não queremos sair pelas ruas e becos. Não queremos entrar nos hospitais e cruzar os corredores entupidos de gente com a esperança morta. Não queremos ver as pessoas encarquilhadas e emagrecidas nas salas de quimioterapia. Evitamos olhar para as pessoas marcadas pelo câncer nas antecâmaras da radioterapia. Desviamos das pessoas caídas na sarjeta. Não queremos subir os morros semeados de barracos, onde a pobreza extrema fere a nossa sensibilidade. Não queremos visitar as prisões insalubres, onde o ser humano vive à margem da dignidade. Não queremos pôr os pés nos guetos encharcados de violência nem nos aproximar dos antros malcheirosos onde a promiscuidade e os vícios degradantes parecem prevalecer. Não queremos envolver-nos com aqueles que vivem nos bolsões da miséria, alijados, excluídos, sem direito e sem voz em uma sociedade que cada vez mais privilegia o forte e sufoca o fraco. Não queremos saber dos que estão caídos, atormentados pelo diabo. E fácil, é cômodo fazer uma tenda no monte. É tentador satisfazer nossos próprios desejos, cultivando uma religiosidade escapista, timbrada pelo comodismo, restrita ao templo, ao reduto do sagrado, fechada dentro de quatro paredes. O monte é o lugar de carregar as baterias, mas o ministério é exercido no vale. Permanecer no monte é fuga, é omissão, é irresponsabilidade, é negar a missão. A multidão aflita nos espera no vale. E lá que devemos viver no poder do Espírito Santo. E lá que devemos espargir a luz de Cristo. É lá que devemos proclamar libertação aos cativos.


  
4. Os discípulos estão cercados por uma nuvem celestial, mas estão com medo de Deus

   Lucas registra o fato da seguinte maneira:


   "Enquanto (Pedro) assim falava, veio uma nu-vem e os envolveu: e encheram-se de medo ao entrarem na nuvem" (Lucas 9.34). O evangelista Mateus pinta esse quadro com cores mais vivas: "Falava ele ainda, quando uma nuvem lumino¬sa os envolveu: e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi. Ouvindo-a os discí¬pulos, caíram de bruços, tomados de grande medo" (Mateus 17.5, 6).

   Os discípulos estão com Jesus, mas ainda têm medo de Deus. A espiritualidade deles é marcada pela fobia do sagrado. O ambiente celestial e a voz de Deus os incomodam profundamente. Eles se relacionam com Deus como o outro totalmente desconhecido. Não têm intimidade com Deus. Eles não apenas não encontram prazer na comunhão com Deus através da oração, mas revelam grande medo de Deus. Vêem Deus como ameaça. A presença de Deus os intimida. A voz de Deus enche o coração deles não de alegria, mas de medo. O único momen¬to em que eles se prostram ao chão não é para orar, para buscar a Deus, mas para fugir de Deus. O relacionamento deles com Deus, portanto, era superficial, pois o amor lança fora todo o medo. Em virtude do medo, Pedro começa a falar sem entendimento, sem compreender o que diz. Marcos declara que ele não sabia o que dizer, por estarem todos aterrados (Marcos 9.6). Lucas relata que a proposta de Pedro de fazer três tendas, sendo uma para Jesus, outra para Moisés e outra Elias, era uma fala sem o míni¬mo discernimento: "... não sabendo, porém, o que dizia" (Lucas 9.33). Deus não é um fantasma cósmico. Suas revelações não têm o propósito de infundir medo no nosso coração. Deus não é um guarda cósmico que nos procura pegar no contrapé. Deus é um pai cheio de ternura. Ele nos abriga debaixo das suas asas. Ele nos carrega no colo e nos toma em seus braços. Ele enxuga as nossas lágrimas. Ele nos disciplina com amor. Ele se deleita em nós com alegria. Nós somos a menina dos olhos de Deus, sua delícia e herança.


   Muitas pessoas receberam uma formação religiosa deturpada sobre a pessoa de Deus. Vêem Deus apenas como um ser austero, inflexível, implacável, com a espada da lei na mão, com o cetro do juízo sempre erguido para sentenciar e condenar. São pessoas parecidas com o irmão do filho pródigo: andam perto do pai, mas não têm intimidade com ele, não desfrutam das suas riquezas. Relacionam-se com Deus apenas como servos, mas nunca como filhos. A Bíblia nos mostra Deus como um Pai que corre para abraçar o filho, mesmo que este esteja sujo de lama. As Escrituras nos revelam Deus como um pastor que desce aos vales mais escuros e perigosos para buscar uma ovelha desgarrada. O medo de Deus é uma doença espiritual. E fruto do desconhecimento de Deus, da falta de discernimento das coisas espirituais.


   Jesus não alimenta essa patologia espiritual dos discípulos: pelo contrário, mostra a sua improcedência: "Aproximando-se deles, tocou-lhes Jesus, dizendo: Erguei-vos, e não temais!" (Mateus 17.7). O medo de Deus, a fobia do sagrado, revela uma espiritualidade enferma, rasa e sem substância.

 
 
Extraído do Livro "As faces da espiritualidade - Hernandes Dias Lopes"

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