sábado, 20 de outubro de 2012

Período Macabeu



Período Macabeu
O nome desse período está associado a Judas Macabeu, líder dos Macabeus. No entanto, o nome da família, segundo o historiador Flávio Josefo, era Hasmon, do qual deriva o nome “hasmoniano” ou “asmoniano”. Hasmon ou Chasmon foi bisavô de Matatias, pai de Judas Macabeu.

Esse período abrange 104 anos (167-63 a.C.). É caracterizado por lutas, perseguições, sacrifícios e, por último, por um longo período de independência e paz.

O surgimento desse período foi motivado pela nefasta dominação síria (Período Grego), sob o reinado de Antíoco IV, o Epífanes.

Causas remotas

O governo da Judeia, aos poucos, foi se fortalecendo nas mãos do sumo sacerdote. Isso levou o sumo sacerdócio judaico a um declínio espiritual, pois deixou de ser um poder espiritual e divino para tornar-se uma força política. Em consequência disso, a posição de “sumo sacerdote” começou a ser disputada. Nem o que a Lei de Moisés dizia a respeito nem a questão genealógica eram levados em conta. O poder temporal era a única coisa que realmente importava naquele momento.

Enquanto a dinastia ptolomaica dominava a Judeia, a selêucida não perdera jamais a esperança de um dia possuir a Terra Santa. De um lado a dinastia ptolomaica exercia influência sobre os judeus; de outro, os selêucidas procuravam, com promessas e dinheiro, ganhar-lhes a simpatia. Em resultado dessa disputa, surgiram dois partidos predominantes na Judeia: o judeu (representado por Onias III) e o grego (representado por Simão e Jason).

Com o advento de Antíoco Epífanes, o partido grego triunfa na Judeia, o que causou certo descontentamento ao partido da maioria, o judeu.

Quando Antíoco IV estava no apogeu de seu reinado, Onias III, do partido da Judeia, era sumo sacerdote em Jerusalém. Acusado de crimes pelo rei da Celesíria e por Simão, figura destacada no partido grego da Judeia, Onias III foi a Antioquia e se defendeu perante Epífanes das acusações.

O partido grego da Judeia também contava com Josué, irmão de Onias III. Josué era helenista convicto; até seu nome foi helenizado para Jason. Ajudou a acusar o próprio irmão. O partido grego pagou considerável soma de dinheiro e Jason se tornou o sumo sacerdote; Onias foi destituído. A principal preocupação de Jason foi helenizar a Palestina. Ele construiu ginásios, onde crianças e jovens praticavam os exercícios gregos. Ele também quase acabou com a circuncisão. Enviou representantes aos jogos de Hércules, com presentes aos deuses pagãos.

Três anos mais tarde, Jason enviou Menelau a Antioquia com o tributo para Antíoco. Avistando-se com o rei sírio, Menelau lisonjeou-lhe a vaidade e conseguiu o sumo sacerdócio. Regressou a Jerusalém feroz como um leão. Jason refugiou-se entre os amonitas. Não conseguindo levantar o dinheiro que prometera a Antíoco, Menelau fora chamado a Antioquia. Antes de ir, vendeu aos sírios alguns vasos do templo de Jerusalém, cuidando com isso subornar Andrônico, o que governava em Antioquia na ausência de Epífanes. Onias III estava em Antioquia nesse tempo e acusou Menelau de sacrilégio. Onias refugiou-se na gruta sagrada de Dafnes. Andrônico tirou-o do santuário e barbaramente o matou. Antíoco, movido de compaixão pela pureza de caráter de Onias, ordenou que matassem Andrônico e Menelau, que conseguiram fugir.

Causas recentes

Enquanto os judeus disputavam o sumo sacerdócio, Antíoco Epífanes ganhava terreno e se preparava para escravizar o povo do Senhor.

Cleópatra, irmã de Epífanes, é assassinada no Egito. O orgulhoso rei sírio prepara seus exércitos para enfrentar Ptolomeu VI em sucessivas batalhas. Depois de duas ou três batalhas, o embaixador romano Pompílio Laenas ordenou energicamente a Antíoco que cessasse o ataque ao Egito e entregou-lhe um decreto do Senado intimando-o a desistir desse intento. Temendo os romanos, Antíoco desistiu de seus planos, mas guardou seu ódio a fim de vingar-se mais tarde nos pequeninos e fracos judeus.

Na Síria e na Judeia passou a circular um boato de que Antíoco havia morrido na segunda batalha contra o Egito. Foi motivo de alegria principalmente para os judeus. Andrônico e Menelau, odiados pelos judeus, valeram-se desse boato e perseguiram os habitantes de Jerusalém.

Jason entrou em Jerusalém com mil homens. Menelau refugiou-se na cidadela. Jason praticou toda a sorte de crueldade contra os judeus. Fugiu depois para o Egito e chegou até Esparta, morrendo finalmente em terra estrangeira.

Antíoco, ao ouvir as notícias desses acontecimentos, pensou tratar-se de uma rebelião na Judeia. Supõe-se que Menelau tenha exercido influencia sobre os ânimos do rei para combater os judeus. Com esse plano, Menelau se livraria de seus inimigos. Antíoco, como relâmpago, parte para Jerusalém. Ataca-a, toma-a por assalto. Mata velhos, jovens, mulheres, crianças, num total superior a 40 mil pessoas. No seu desespero, ainda reúne milhares de judeus e os leva ao cativeiro.

Não satisfeito com seus crimes e suas atrocidades, entra no templo de Jerusalém, profana-o. Manda matar um porco sobre o altar. A carne do animal é assada e os judeus, sob lanças e espadas, obrigados a comerem. Os excrementos do suíno, com seu sangue, numa espécie de caldo, foram borrifados por todo o templo.

Ele ainda despojou o templo de seus vasos e outros utensílios de ouro destinados ao serviço sagrado. Calcula--se em 1.800 talentos o tesouro que Antíoco levou de Jerusalém para Antioquia.

Deixou Filipe, natural da Frígia, como governador da Judeia. Ele era cruel, violento e selvagem. (A sorte de Samaria foi a mesma: o templo de Gerizim também foi profanado. Andrônico, o traidor, governou Samaria).

Os judeus permaneceram 2 longos anos nessa humilhação, nesse estado de escravidão, desprezo e abandono.

Dois anos após dessas atrocidades, Antíoco recrudesce a perseguição contra os judeus. Apolônio, o tradicional inimigo dos judeus, é enviado por Antíoco à Judeia, à frente de 22 mil homens. Entrou em Jerusalém, parece-nos numa terça-feira, e esperou o sábado, quando os judeus nada faziam. Fingiu-se amigo do povo e propalou que sua missão era de paz. No entanto, seus homens tinham ordens terminantes de matar todos os judeus, principalmente os do sexo masculino.

O sábado almejado chegou. Os judeus procuraram seus lugares de adoração e entregaram-se ao exercício de seu culto. Descansaram finalmente, conforme o preceito da Lei de Moisés. Aproveitando a fraqueza dos judeus e conhecendo-lhes a fidelidade à Lei do Senhor, Apolônio e seus soldados lançaram-se sobre os indefesos judeus e os chacinaram. A matança foi monstruosa. O sangue correu aos jorros. Espanto e calamidade foram vistos na desolada cidade, que foi saqueada. O instinto feroz de Apolônio foi mais longe ainda: ele incendiou Jerusalém. Suas fortalezas foram destruídas. Apolônio fortificou-se no monte Sião e dominou a cidade, incluindo o templo.

Satisfeito com a crueldade de Apolônio, Antíoco decretou a uniformidade do culto em todos os termos de seus domínios. Foi golpe duro demais para os tradicionais judeus. Só havia duas opções: submeter-se à ordem ou morrer.

O responsável pelo cumprimento do grande edito, em Samaria e Judeia, foi Ateneu, um “Saulo” do paganismo. Antíoco, sendo apaixonado helenista, impôs o paganismo grego a ferro e fogo em seus domínios. (Percebe-se, portanto, que o helenismo era também intolerante.) Os samaritanos aceitaram passivamente as proposições do cruel Antíoco. Ateneu transformou o templo de Gerizim num templo dedicado a Zeus Xenius. O templo de Jerusalém seria dedicado a Zeus Olímpico. Willian Smith descreveu de forma bem expressiva a profanação do templo de Jerusalém:
Os pátios foram profanados com as mais licenciosas orgias; o altar foi coberto de abomináveis ofertas, a velha idolatria de Baal foi restaurada no seu obsceno aspecto, tal como fora levada à Grécia: as fálicas bacanais de Dionísio. Os exemplares do livro da Lei foram destruídos ou profanados com pinturas pagãs e obscenas. A prática dos ritos judaicos e a negativa de sacrifícios aos deuses gregos foram castigadas com a pena de morte.2

Conta-se que duas pobres mulheres só por terem circuncidado seus filhinhos foram presas e conduzidas com seus filhos por toda a cidade e, por fim, impiedosamente atiradas do muro.

Alguns que se refugiaram nas covas para guardar o sábado foram queimados por Filipe.

A prova mais dura e cruel a que se podia submeter um judeu era fazê-lo comer carne de porco. Eleazar, chefe escriba, nonagenário, foi obrigado a comer carne de porco, mas não quis comer. Meteram-lhe à força na boca, ele a cuspiu toda. Voluntariamente entregou-se ao martírio. Diante da obstinação do velho, os carrascos redobraram as crueldades. Quando expirava, pronunciou estas palavras de fé: “Está manifesto ao Senhor, aquele que tem o santo conhecimento, que podendo livrar-me da morte, suporto as agudíssimas dores do meu corpo golpeado, porém na alma, estou muito contente por sofrer estas coisas, só porque temo o Senhor”.

Conta-se também que uma mãe e sete filhos recusaram a comer carne de porco. Por esse crime foram levados à presença do rei, que os mandou espancar a todos. Entregaram-se ao martírio confiantes no Senhor.

Se fôssemos narrar todos os crimes de Antíoco, teríamos assunto para milhares de páginas. Muitos judeus se acomodaram às circunstâncias, voltaram suas costas a Deus e inclinaram-se ao culto pagão; no entanto, na sua maioria, os judeus permaneceram fiéis ao Senhor; foram ao sacrifício, ao martírio, mas sempre com sua fé brilhando mais.

É lamentável ouvir palavras preconceituosas como estas do historiador romano Públio Cornélio Tácito:
Durante o domínio sírio, medo e persa, os judeus foram os mais abjetos dos súditos. Depois de terem os macedônios alcançado a supremacia do Oriente, o rei Antíoco esforçou-se por tirar-lhes a superstição e introduzir os costumes gregos, entretanto, a guerra com os partos impediu-lhe reformasse esse repulsivo povo.

Diante desse tétrico quadro, nessas circunstâncias, nessa escravidão, que deveriam fazer os judeus? Defender-se. Foi exatamente o que fizeram.


O Reino do Sul (Judá) e o cativeiro babilônico


O Reino do Sul (Judá)

Esse reino ficou sob o domínio de Roboão, herdeiro de Salomão, abrangendo a tribo de Judá mais a meia tribo de Benjamim. A capital desse reino continuou em Jerusalém, onde estava o Templo de Salomão.

O poderio assírio perturbou muitas vezes a paz de Judá. Porém, essa ameaça desapareceu quando as armas babilônicas destruíram o poderio dos filhos de Assur. O Império Babilônico agora passou a ser a grande preocupação de Judá. Depois da queda de Samaria, Judá, como nação, durou aproximadamente cento e poucos anos.

Assim como o povo do Norte, os habitantes do Reino do Sul também foram infiéis ao Senhor, sobretudo seus líderes políticos e religiosos. O mesmo pecado que levou os israelitas do Norte ao cativeiro também afetou Judá, e talvez de forma mais acentuada. A palavra e a exortação dos mensageiros de Deus foram desprezadas. Os profetas foram perseguidos, alguns barbaramente mortos. Como resultado desse desatino dos judeus, o Senhor mandou-lhes Nabucodonosor, que os levou cativos a Babilônia.

O cativeiro babilônico

O Antigo Testamento descreve de modo geral os acontecimentos do cativeiro babilônico. A sucessão dos fatos que culminaram no exílio encontram-se em 2Reis 24 e 25 e 2Crônicas 36. As datas são fornecidas pela história secular e não pela Bíblia.

Depois de vários avisos por meio de profetas, eles foram levados cativos em três sucessivas deportações:
       Em 605 a.C., Jeoaquim, rei de Judá, foi amarrado com cadeias de bronze e exilado para a Babilônia. Nessa ocasião, Nabucodonosor levou alguns despojos do tempo de Jerusalém (2Cr 36.6,7). Na ocasião, alguns judeus também foram deportados, como Daniel e Ezequiel, que mais tarde se tornaram célebres na história do povo de Deus.
       Joaquim, filho de Jeoaquim, reinou sobre Judá 3 meses e 10 dias (2Cr 36.9). Na primavera do ano (2Cr 36.10), em 597 a.C., Nabucodonosor o levou cativo para a Babilônia, bem como sua mãe, seus servos, príncipes, oficiais, artífices e valentes (2Rs 24.12-16).

      O rei da Babilônia estabeleceu Zedequias como rei-vassalo sobre Judá. Em 11 anos de governo (2Cr 36.11), ele fez o que era mal perante o Senhor (2Cr 36.12-16). Zedequias também se rebelou contra Nabucodonosor, o que provocou o cerco a Jerusalém por 2 anos (2Rs 25.1-3). Em 586 a.C., a cidade por fim rendeu-se pela fome. O rei Zedequias e seus soldados fugiram, mas foram capturados. Seus filhos e seus príncipes foram mortos na sua presença. Como castigo, seus olhos foram vazados e ele foi arrastado a Babilônia com a nação de Judá. Nebuzaradã, ministro da guerra de Babilônia, destruiu Jerusalém por completo, com muros e casas, incendiou o templo, levou como despojo seus tesouros, e conduziu seus habitantes, em massa, para o cativeiro na Babilônia.


Entretanto, a desolação de Jerusalém não significa que a terra de Judá ficou desabitada. Eis o que informa o profeta Jeremias: “Mas Nebuzaradã, capitão da guarda, deixou ficar na terra de Judá somente alguns pobres dentre o povo, que nada possuíam. E deu-lhes vinhas e campos” (Jr 39.10). Além disso, os pobres e refugiados de Judá também receberam do monarca da Babilônia um rei: Gedalias (Jr 40). O monarca também ordenou que Jeremias ficasse em Judá (Jr 40.6). Certamente, houve nisso um propósito divino. Ao contemplar as ruínas de Jerusalém, o profeta escreveu “Lamentações”.
Esses fatos deixam claro que a terra de Judá não ficou totalmente desolada durante os 50 ou 70 anos de cativeiro babilônico. Josefo afirma: “O país (Judá) ficou deserto por 70 anos”. Deserto, sim, de profetas, de atalaias de Deus, de pregoeiros da verdade, mas não de pessoas e acontecimentos.

Judá estava fora de sua casa agora, no amargo exílio, longe de sua amada Jerusalém. Em Babilônia, país estrangeiro, tudo é diferente: novos costumes, nova língua, novas influências. O povo sofria terrivelmente.

Apesar da conquista esmagadora, os babilônicos eram diferentes dos assírios na sua política de lidar com os povos dominados. Eles levavam todos os cativos para sua metrópole, onde viviam agrupados em bairros, com liberdade de cultuar o seu Deus e praticar todos os seus costumes, ou seja, eles levaram consigo e preservavam suas tradições históricas. Ezequiel e Jeremias deixam claro que os caldeus não oprimiam tanto os exilados como faziam os assírios. O cativeiro babilônico seria muito mais brando do que o egípcio.

Os judeus continuaram a praticar alguns serviços religiosos. Mesmo com limitações, ainda tinham sacerdotes. Eles guardavam o sábado, circuncidavam, jejuavam, obedeciam a Moisés. Liam as Escrituras, oravam na sinagoga e cultuavam a Deus ao modo judeu (quando Sadraque, Mesaque e Abede-Nego — companheiros de Daniel — foram lançados na fornalha devido à recusa de adorar uma imagem, não se tratava de perseguição religiosa, mas de intriga política). Além disso, os judeus preservaram com muito cuidado as genealogias sacerdotais e reais provindas de Arão e Davi. Essa preservação ajudaria na identificação do Messias da Promessa, pois ele nasceria da tribo de Davi.

Durante o exílio, alguns profetas escreveram visões e mensagens. Muitos salmos foram escritos, nos quais os autores deixaram transparecer a tristeza por estarem longe de Jerusalém.

A política babilônica também ajudou os judeus de outra forma. Antes do exílio, eles se ocupavam quase exclusivamente de lavoura e pecuária. Os anos de cativeiro converteram-nos em hábeis comerciantes. Muitos enriqueceram (em contraste, os que permaneceram em Judá viviam em extrema pobreza). Os judeus ajudaram a construir edifícios, outros trabalharam em paz nos seus próprios lares. Possuíam casas (Ez 3.24; 33.30). Outros ainda deram-se à agricultura, bem como a outras atividades. Alguns deles, como o profeta Daniel, chegaram a ser pessoas de alto conceito no Império, pois prestavam serviços diretamente ao rei. Quando os medo-persas conquistaram Babilônia e concederam liberdade aos judeus de retornarem à sua pátria, muitos deles rejeitaram a proposta, pois tinham indústria, comércio, propriedades e riquezas que não lhes permitiam voltar à terra natal. Ficaram em Babilônia, outros foram para o Egito etc. Esses são os judeus da Diáspora ou Dispersão.

O Reino dividido e o Reino do Norte (Israel)


Reino dividido

Com a morte de Salomão, seu filho Roboão assumiu a monarquia; porém, por questões de ordem administrativa, política e religiosa, o reino foi dividido em duas partes em 936 a.C.: o Reino do Norte (Israel) e o Reino do Sul (Judá).

O Reino do Norte (Israel)

Dez tribos mais a meia tribo de Benjamim rebelaram-se contra Roboão e formaram o Reino do Norte ou Israel, cuja capital passou a ser Samaria. Jeroboão, filho de Nebá, tornou-se o rei. A partir do reinado de Jeroboão e sem o Templo de Salomão, as tribos do Norte abandonaram o Senhor Deus e entregaram-se à idolatria, sempre acompanhada de imoralidade, devassidão, violência e injustiça. As consequências foram funestas: declínio moral e espiritual, pobreza e confusão.

Os esforços dos abnegados profetas do Senhor de conduzir o povo ao arrependimento foram inúteis. Cada rei que se levantou em Israel era mais ímpio e mais profano. Esse estado de corrupção fez a ira de Deus transbordar. Diante dessa avassaladora degradação, Deus enviou o Império Assírio para punir a nação rebelde, na época governada por Oséias (Is 20.1; 2Rs 17.19-23), o que aconteceu em 722 a.C. Sargão II, o tirano rei da Assíria, destruiu Samaria e dispersou os israelitas por terras estrangeiras.

Os assírios tinham um modo peculiar de tratar o povo vencido: destruíam uma raça ou a unidade de uma nação com misturas ou miscigenações sucessivas. O processo empregado por eles é descrito na Bíblia desta forma:
... o rei da Assíria trouxe gente da Babilônia, Cuta, Ava, Hamate e Sefarvaim, e a fez habitar nas cidades de Samaria, em lugar dos israelitas; e eles tomaram posse de Samaria e habitaram nas suas cidades (2Rs 17.24).

Eles traziam gente de diversas partes e as ajuntavam numa cidade, enquanto o povo daquela localidade era removido para outro lugar, perdendo assim sua origem, sepultando suas mais nobres tradições e perdendo o que lhes era precioso e digno. Os israelitas do Norte praticamente desapareceram por causa desse sistema. Todo o povo das dez tribos foi absorvido pelas nações orientais.15 Foi esse povo miscigenado e estranho aos judeus que tanto dificultou os trabalhos de Esdras e Neemias. Isso explica, em parte, a rivalidade entre judeus e samaritanos, como se observa no Novo Testamento.


15 Possivelmente algumas famílias israelitas resistiram ao longo e penoso cativeiro assírio, mantendo-se firmes às tradições de seus pais e voltaram depois a Jerusalém em 536 a.C. com a tribo de Judá.

Período Interbíblico: Fontes históricas


Flávio Josefo

Natural de Jerusalém, Flávio Josefo nasceu em 37 d.C. O pai era de família sacerdotal, enquanto a mãe descendia dos hasmonianos, de uma das mais ilustres famílias macabeias.

Josefo, desde tenra idade, mostrou-se sempre vivo. Aos 14 anos, conforme registra em autobiografia, ensinava aos sumos sacerdotes pontos obscuros da Lei. Fez estudos especiais e tornou-se erudito, portador de vasto saber. Estudou as seitas judaicas de seu tempo. Conta-nos que para se informar bem a respeito dos essênios, aquela seita exótica, foi ao deserto onde se achava certo Banus, chefe desse grupo, e ali permaneceu 3 anos. Na sua convicção religiosa, era fariseu e dos mais tradicionalistas e exclusivistas.

Félix condenou diversos sacerdotes, e estes apelaram a Roma, para onde eram enviados. Josefo, aos 26 anos, foi a Roma como advogado desses sacerdotes. Depois de tornar-se famoso, conhecido no Império Romano, Josefo achou por bem aconselhar os líderes de seu país no sentido de evitarem qualquer conflito com os romanos, pois notava a inclinação do seu povo para se indisporem contra o Império. Esse conselho foi tomado pelos judeus como uma atitude de traição, de deslealdade.

Após as vitórias dos judeus sobre o governador da Síria, Celtius Gallus, os judeus nomearam Josefo comandante da Galileia, a fim de concitar o povo à guerra contra os romanos. Nessa conjectura, Nero enviou Vespasiano para guerrear os judeus. Vespasiano e seu filho Tito prenderam Josefo e o algemaram; porém, este se apresentou como profeta e vaticinou que tanto Vespasiano como Tito chegariam a ocupar o trono do Grande Império. Animados com a notícia, os dois generais libertam Josefo e o honram muitíssimo. Flávio era bem-intencionado, não lhe faltava o patriotismo, nem os sentimentos de nacionalismo deixavam de vibrar em sua alma; e foi exatamente por seu patriotismo que ele desejava evitar a ruína de sua nação.

Em 69 d.C., cumprindo-se a casual profecia de Josefo, Vespasiano ascendia ao trono de Roma. Nesse tempo, as cadeias do historiador foram trocadas por cetro e transferiu--se para Roma, onde esteve ao lado de Vespasiano.

Conta-se que Josefo se achava como oficial de Tito quando os romanos destruíram Jerusalém. Foi visto pelos judeus, que o odiaram muito por causa desse fato. Nos dias aflitivos que sucederam a queda da Cidade Santa, Josefo usou de seu prestígio para salvar a vida de centenas de judeus.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A futilidade da Lamentação


O pecado é tão terrível, tão destrutivo para a alma, que nenhum pensamento ou ato humano pode em nenhum grau diminuir os seus efeitos letais. Somente Deus pode lidar com ele com sucesso; somente o sangue de Cristo pode limpar os poros do espírito. O coração que foi liberto deste pavoroso inimigo sente, não tristeza, mas um maravilhoso alívio e incessante gratidão. 
O filho pródigo, ao retornar, honra o pai mais com regozijo do que com lamentação.Tivesse o jovem da narrativa menos fé em seu pai, talvez ficasse tristonho num canto, em lugar de juntar-se à festividade. Sua confiança no amor do seu pai deu-lhe coragem para esquecer o seu passado tristemente marcado. 
A tristeza por um passado pecaminoso permanecerá enquanto não crermos no fato que, para os que estamos em Cristo, aquele pecado pecaminoso não existe mais. O homem em Cristo só tem o passado de Cristo, e este é perfeito e aceitável a Deus. Em Cristo ele morreu, em Cristo ressuscitou, e em cristo ele está assentado no círculo dos favorecidos de Deus. Não está mais irritado consigo mesmo porque não mais centraliza a sua atenção em si mesmo, mas sim, em Cristo; daí, não há lugar para lamentação.

A.W. Tozer
Fragmentos retirados do livro "Esse cristão incrível"
Capítulo 30 A futilidade da Lamentação

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Tozer: E Fácil Viver com Deus


O primeiro ataque feito por Satanás à raça humana foi o seu astuto esforço para destruir a confiança de Eva na bondade de Deus. Infelizmente para ela e para nós, ele se saiu muito bem. Desde aquele dia, os homens têm tido um falso conceito de Deus. e foi exatamente isto que arrancou de debaixo deles a base da jus­tiça e os levou a uma vida imprudente e destrutiva, Nada deforma e torce mais a alma do que um baixo e indigno conceito de Deus. Certas seitas, como a dos fariseus, conquanto sustentassem que Deus era severo e austero, empenhavam-se em manter um nível razoavel­mente alto de moralidade externa; mas a sua justiça era apenas exterior. Interiormente eram "sepulcros caiados", como o Senhor mesmo lhes disse. Seu errôneo conceito de Deus resultou numa idéia errônea de culto. Para um fariseu, o serviço de Deus era uma escravidão que ele não amava, mas da qual não podia escapar sem que lhe sobreviesse uma perda grande demais para suportar. Não era fácil viver com o Deus do fariseu, de sorte que a sua religião tornou-se carrancuda, pesada e desamável. Só tinha que ser assim, pois sempre a nossa noção de Deus determina necessariamente a qualidade da nossa religião.
Muito cristianismo, desde os dias da carne de Cristo, também tem sido carrancudo e severo. E a causa é a mesma — uma indig­na e inadequada idéia de Deus. Instintivamente tentamos ser iguais ao nosso Deus, e se o concebemos severo e exigente, assim seremos.
Do malogro de entender apropriadamente a Deus, provém um mundo de infelicidade entre os cristãos ainda hoje. Considera-se a religião um sombrio e desanimador processo de levar a cruz sob os olhos de um Pai severo que espera muito e não desculpa nada. Ele é austero, impertinente, altamente temperamental e extremamente difícil de agradar. A espécie de vida que brota de noções tão difa­matórias necessariamente tem que ser apenas uma paródia da ver­dadeira vida cm Cristo.
É da maior importância para a nossa vida espiritual ter sem­pre em mente uma correta concepção de Deus. Se pensamos nEle como frio e exigente, acharemos impossível amá-lO, e as nossas vidas serão dominadas por um temor servil. Por outro lado, se sus­tentamos que Ele é bondoso e compreensivo, toda a nossa vida in­terior refletirá essa idéia.
A verdade é que Deus é o mais encantador de todos os seres. e servi-lO é um prazer indescritível. Ele é todo amor, e aqueles que confiam nEle nunca precisarão conhecer coisa alguma, senão esse amor. Ele é justo deveras, e não deixa passar por alto o pecado; mas, pelo sangue da aliança eterna Ele pode agir para conosco exa­tamente como se nunca tivéssemos cometido pecado. Para os filhos dos homens que nEle confiam, a Sua misericórdia sempre triunfará sobre a justiça.
A comunhão de Deus é deleitável além de toda a expressão. Ele conversa com os Seus redimidos numa comunhão fácil e desinibida, repousante e conciliadora para a alma. Ele não é sentimentalista, nem egoísta, nem temperamental. O que Ele é hoje, veremos que continua sendo amanhã, depois de amanhã e no ano que vem. Não é difícil agradá-lO, embora talvez seja difícil satisfazê-lO. Ele só espera de nós aquilo de que primeiro nos supriu. Ele é rápido para anotar cada simples esforço para agradá-lO, e tão rápido, exa­tamente para deixar de lado as nossas imperfeições quando sabe que a nossa intenção é fazer a Sua vontade. Ele nos ama pelo que somos e considera o nosso amor mais valioso do que as galáxias de novos mundos criados.
Infelizmente, muitos cristãos não podem ficar livres das suas pervertidas noções de Deus, e estas noções envenenam os seus co­rações e destroem a sua liberdade interior. Estes amigos servem a Deus de cara fechada, como fazia o irmão mais velho, fazendo o que é certo sem entusiasmo e sem alegria, e parecem totalmente incapazes de entender a alegre e animada celebração feita quando o pródigo chega em casa. A idéia que eles têm de Deus exclui a possibilidade de Ele ser feliz em Seu povo, e atribuem os cânticos e as aclamações a consumado fanatismo. Almas infelizes, estas, con­denadas a prosseguirem em sua vida melancólica, carrancudamente determinadas a agir direito se os céus caírem, e a estar do lado do vencedor no dia do juízo.
Que bom seria se pudéssemos aprender que é fácil viver com Deus. Ele se lembra da nossa estrutura e sabe que somos pó. Pode castigar-nos às vezes, é certo, mas até isso Ele faz com um sorriso, o ufano e terno sorriso do Pai que arde de prazer por um filho im­perfeito, mas que promete e que cada dia se parece mais com Aquele de quem é filho.
Alguns de nós ficam nervosos e encabulados porque sabemos que Deus vê cada pensamento nosso e conhece todos os nossos ca­minhos. Não precisamos ficar assim. Deus é a soma total de toda a paciência e a essência da amável boa vontade. Nós O agradamos muito, não tentando freneticamente fazer nós mesmos o bem, mas, sim, lançando-nos em Seus braços com todas as nossas imperfeições, e crendo que Ele compreende tudo e ainda nos ama.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A voz do Verbo - A. W. Tozer

No princípio era o  Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (Jo 1:1.)

Qualquer homem de inteligência média, ainda que não instruído das verdades do cristianismo, chegando a ler esse texto, certamente concluirá que João tencionava ensinar que falar faz parte da natu­reza de Deus, ou seja, Ele deseja comunicar seus pensamentos aos outros seres inteligentes. E teria plena razão. A palavra (verbo) é o meio através do qual os pensamentos são expressos — pelo que também a aplicação do termo "Verbo" ao Filho eterno de Deus leva-nos a crer que a auto-expressão faz parte inerente da divindade, e que Deus está sempre procurando falar de Si mesmo às Suas cria­turas. E a Bíblia inteira apóia essa idéia. Deus continua falando. Não somente falou, mas continua falando. Por força de Sua própria natu­reza, Ele se comunica continuamente. Enche o mundo com Sua voz.
Uma das grandes realidades que temos de levar em conta, e com a qual nos vemos a braços, é a voz de Deus neste mundo. A hipótese mais simples sobre a formação do universo, e a mais certa, é essa: "Ele falou, e tudo se fez." A razão de ser da lei natural não é outra senão a voz de Deus, imanente em Sua criação. E essa palavra de Deus, que trouxe à existência todos os mundos criados, não pode ter sido a Bíblia, porquanto esta não fora escrita nem impressa ainda, mas é a expressão da vontade de Deus, manifesta na estrutura de todas as coisas. Essa palavra que vem de Deus é o sopro divino que enche o mundo de potencialidade vital. A voz de Deus é a mais poderosa força que há na natureza, e, na realidade, a única força que atua na natureza, onde reside toda a energia pelo simples fato de que a palavra de poder foi proferida.
A Bíblia é a Palavra escrita de Deus; e, por haver sido escrita, está confinada e limitada pelas necessidades da tinta, do papel e do couro. A voz de Deus, entretanto, é viva e livre como o próprio Deus. "As palavras que eu vos tenho dito, são espírito e são vida." (Jo 6:36.) A vida está encerrada nas palavras proferidas por Deus. A Palavra de Deus, na Bíblia, só tem poder porque corresponde perfeitamente à palavra de Deus no universo. É a voz presente no mundo que dá à Palavra escrita todo o seu poder. De outro modo, estaria para sempre adormecida, aprisionada entre as páginas de um livro.
Temos uma visão muito pequena e primitiva das coisas, quando pensamos em Deus, no ato da criação, a entrar em contato físico com essas coisas, a modelar, adaptar, e fabricar, como se fosse um carpinteiro. A Bíblia ensina uma coisa totalmente diversa: "Os céus por sua palavra se fizeram, e pelo sopro de sua boca o exército deles. . . Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a a existir" (Sl 33:6, 3). "Pela fé entendemos que foi o universo for­mado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das cousas que não aparecem." (Hb 11:3.) Uma vez mais, convém que nos lembremos de que Deus se refere aqui, não à Sua Palavra escrita, à Bíblia, mas antes, à voz da Sua palavra. Isto se refere à voz que enche antes o mundo, aquela voz que antecede a Bíblia em séculos e séculos; aquela voz que não silenciou mais desde o início da criação, mas que continua a soar, e alcança todos os recan­tos desse imenso universo.
A Palavra de Deus é viva e poderosa. No princípio Ele falou ao nada, e o nada se tornou em alguma coisa. O caos a ouviu e se fez ordem, as trevas a ouviram, e se transformaram em luz. "E disse Deus. . . e assim se fez." Essas sentenças gêmeas, como se fossem causa e efeito, ocorrem em todo o relato da criação, no livro de Gênesis. O disse explica o assim se fez. O assim se fez é o disse, poso em forma de presente contínuo.
Deus está aqui, e está sempre falando. Essas verdades são o pano de fundo de todas as demais verdades bíblicas; sem elas estas últimas não poderiam ser revelações de forma alguma. Deus não escreveu um livro para enviá-lo através de mensageiros e ser lido à distância, por mentes desassistidas. Ele "falou" um livro e vive em Suas palavras proferidas, constantemente afirmando as Suas palavras e outorgando-lhes o poder que elas têm, pelo que também persistem através de todos os séculos. Deus soprou sobre o barro, e este se transformou em homem; Ele sopra sobre os homens, e estes se tornam barro. "Porque tu és pó e ao pó tornarás" (Gn 3:19) foi a palavra proferida quando da queda, mediante a qual decretou a morte física de todo homem, e não foi necessário dizer mais nenhu­ma palavra. O triste curso da humanidade, em toda a face da terra, desde o nascimento até à sepultura, é prova de que Sua palavra original foi o bastante.
Ainda não demos atenção suficiente àquela profunda declara­ção que lemos no Evangelho de João: "A verdadeira luz que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem" (Jo 1:9). Pode-se mudar à von­tade a pontuação, que a verdade inteira continua ali encerrada: a Palavra de Deus afeta o coração de todos os homens, porque é luz para a alma. A luz brilha no coração de todos os homens e a palavra ali ressoa, e não há como escapar dela. Isso seria uma decorrência lógica do fato de Deus estar vivo e atuante neste mundo. E João afirma que isto realmente acontece. Até mesmo aqueles que nunca ouviram da Bíblia, já ouviram a pregação da verdade com clareza suficiente para que não tenham mais desculpas. "Estes mostram a norma da lei, gravada nos seus corações, testemunhando-lhes também a consciência, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se." (Rm 2:15.) "Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo perce­bidos por meio das cousas que foram criadas. Tais homens são por isso  indesculpáveis."   (Rm   1:20.)
Essa voz universal de Deus era chamada de sabedoria, pelos antigos hebreus, e dizia-se que estava em toda a parte investigando e perscrutando toda a face da terra, buscando alguma reação favorá­vel da parte dos filhos dos homens. O oitavo capítulo do livro de Provérbios começa com as palavras: "Não clama porventura a sabe­doria, e o entendimento não faz ouvir a sua voz?" O escritor sagrado, em seguida, pinta a sabedoria como uma bela mulher, postada "no cume das alturas, junto ao caminho, nas encruzilhadas das veredas". E faz ouvir a sua voz em todos os lugares, de tal maneira que ninguém pode deixar de ouvi-la. "A vós outros, ó homens, clamo; e a minha voz se dirige aos filhos dos homens." Então conclama os simples e os néscios para que lhe dêem ouvidos. O que a sabedoria de Deus requer é a reação espiritual favorável da parte dos homens, uma resposta que ela sempre tem buscado, mas que raramente tem conseguido. A tragédia é que nosso bem-estar eterno depende de ouvirmos,  mas  nós  temos  feito  ouvidos  moucos.
Essa voz universal sempre soou, e perturbou os homens, mesmo quando não eram capazes de compreender a origem de seus temores. Quem sabe se essa voz, derramando-se gota a gota no coração dos homens, não é a causa oculta da consciência perturbada e do anseio pela imortalidade, confessados por milhões de pessoas, desde o início da História? Não há o que temer. Essa voz é um fato. E qualquer um pode observar como a humanidade tem reagido em face dela.
Quando do céu Deus falou ao Senhor Jesus, muitos homens que ouviram a voz explicaram-na como sendo fenômenos naturais. Diziam ter ouvido um trovão. Esse hábito de apelar às leis naturais para explicar a voz de Deus é a própria raiz da ciência moderna. Nesse universo que vive e respira, há algo misterioso, por demais mara­vilhoso, por demais tremendo para que qualquer mente o compreen­da. O crente não exige explicações, mas dobra os joelhos e adora, sussurrando: "Deus meu". O homem mundano também se inclina, mas não para adorar. Inclina-se para examinar, para pesquisar, para descobrir a causa e o funcionamento das coisas. O que ocorre é que estamos vivendo na era secular. Estamos acostumados a pensar como cientistas e não como adoradores. Sentimo-nos mais inclinados a pensar do que a adorar. "Foi apenas um trovão!" exclamamos nós, e continuamos levando uma vida mundana. Contudo, a voz divina continua ecoando, chamando. A ordem e a vida do mundo dependem totalmente dessa voz, mas os homens estão por demais atarefados ou são teimosos demais para dar-lhe qualquer atenção.
Cada um de nós já experimentou sensações impossíveis de serem explicadas: um súbito senso de solidão, ou um sentimento de admi­ração e espanto em face da vastidão universal. Ou, como que rece­bendo um raio de luz de um outro sol, tivemos uma revelação mo­mentânea de que pertencemos a um outro mundo, e que nossa origem se explica em Deus. O que então sentimos, ouvimos ou vimos, talvez tenha sido contrário a tudo quanto nos tem sido ensinado nas escolas, ou esteja em total conflito com nossas crenças e conceitos. Naquele momento, em que as nuvens se dissiparam e tivemos aquela revela­ção pessoal, fomos forçados a afastar as dúvidas costumeiras. Por mais que queiramos explicar essas coisas, penso que não estaremos sendo sinceros, enquanto não admitirmos pelo menos a possibilidade de que tais experiências venham da presença de Deus no mundo, bem como, de Seus persistentes esforços para comunicar-Se com a humanidade. Não ponhamos de lado essa hipótese, por julgá-la falsa.
Eu, particularmente, creio (e não me ressentirei se ninguém concordar comigo) que tudo quanto de bom e de belo o homem tem produzido neste planeta é resultado de sua resposta imperfeita e imaculada pelo pecado, à voz criadora que ecoa por toda a Terra. Como explicar os filósofos moralistas que tiveram elevados sonhos de virtude; os pensadores religiosos, com suas especulações acerca de Deus e da imortalidade; os poetas e os artistas, que da matéria criaram beleza pura e duradoura? Não basta dizer simplesmente: "Ele foi um gênio". Pois, que é um gênio? Não seria possível que um gênio fosse um homem que, "importunado" por essa voz, esforça-se e luta freneticamente para atingir um objetivo que ele apenas vagamente entende? O fato de que, na lida diária, os homens tenham perdido Deus de vista, que até mesmo tenham falado ou escrito contra Deus, não destrói a idéia que eu procuro demonstrar. A revelação redentora de Deus, nas Sagradas Escrituras, é necessária para a fé salvadora e para a paz com Deus. Para que esta inconsciente aspiração pela imortalidade leve o homem a uma comunhão satisfa­tória com Deus, é necessário que ele confie no Salvador ressurreto. Para mim, essa é uma explicação plausível para tudo que é excelente fora de Cristo.
A voz de Deus é amiga. Ninguém precisa temê-la, a menos que já tenha resolvido resistir a ela. O sangue de Jesus Cristo cobriu não apenas a raça humana mas também toda a criação. "E que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as cousas, quer sobre a terra, quer nos céus." (Cl 1:20.) Nós podemos falar, com toda segurança, de um céu que nos é propício. Tanto os céus como a terra estão cheios da boa-vontade daquele que veio manifestar-se na sarça ardente. O sangue santo de Cristo, na expiação, garante isso para sempre.
Quem quiser aplicar os ouvidos, ouvirá a todos dos céus. Esta­mos numa época em que os homens decididamente não aceitam exor­tações de bom grado, porquanto ouvir não faz parte do conceito popular da religião. E nisto, estamos fazendo exatamente o contrário do que devemos. As igrejas, de um modo geral, aceitam a grande heresia de que fazer barulho, ser grande e ativa torna-as mais preciosas para Deus. Mas não devemos desanimar, pois é a um povo atingido pela tormenta do último e maior de todos os conflitos que Deus diz: "Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus." (Sl 46:10.) E ele ainda diz o mesmo hoje, como se quisesse informar-nos de que nossa força e segurança dependem não tanto de nossa agitação. mas de nosso silêncio e serenidade.
Precisamos estar quietos para esperar em Deus. Seria melhor se pudéssemos ficar a sós, com a Bíblia aberta à nossa frente. Se quisermos, podemos nos chegar a Deus e começar a ouvi-lO falar ao nosso próprio coração. Penso que para a média das pessoas a manifestação dessa voz será mais ou menos assim: primeiramente, ouve-se um ruído como de uma presença a andar pelo jardim. Em seguida ouve-se uma voz, mais inteligível, mas ainda não muito distinta. Depois disto, vem um instante feliz em que o Espírito Santo começa a iluminar as Sagradas Escrituras, e aquilo que até ali fora apenas um ruído, ou quando muito uma voz, agora se torna em pala­vra calorosa, íntima e clara como a palavra de um amigo muito caro. Depois é que vêm a vida e a luz, e, melhor de tudo, a capacidade de ver, de descansar em Jesus Cristo e de aceitá-lo como Salvador e Senhor.
A Bíblia jamais será um livro vivo para nós enquanto não ficar­mos convencidos de que Deus está articulado com seu próprio univer­so. A transição de um mundo morto e impessoal para uma Bíblia dogmática é difícil para a maioria das pessoas. Talvez admitam que devem aceitar a Bíblia como a Palavra de Deus, e talvez até tentem pensar nela como tal; mas depois descobrirão ser impossível crer que as palavras, escritas nas páginas da Bíblia, se aplicam à sua vida. Um homem pode dizer com os lábios: "Estas palavras foram diri­gidas a mim", e, contudo, em seu coração sentir que não sabe o que elas dizem. É, nesse caso, vítima de um raciocínio errado — pensa que Deus permanece mudo em tudo o mais, e se manifesta apenas em seu livro.
Acredito que grande parte de nossa incredulidade se deve a um conceito errôneo a respeito das Escrituras. Deus está silencioso e, subitamente, começa a falar em um livro. Terminado o livro, cai no silêncio outra vez, e para sempre. Por isso, muitos lêem a Bíblia como se fora o registro do que Deus disse quando estava com von­tade de falar. Se pensarmos desta forma, como poderemos confiar plenamente? O fato, contudo, é que Deus não está calado, e nunca esteve. Falar faz parte da natureza de Deus. A segunda pessoa da Trindade é chamada de Verbo (Palavra). A Bíblia é o resultado inevitável da contínua manifestação de Deus. É a revelação infalível de Sua mente, a nós dirigida, expressa em termos humanos, para que possamos compreendê-la.
Penso que um novo mundo surgirá entre as nebulosidades reli­giosas, quando nos aproximarmos da Bíblia munidos da idéia de que se trata não somente de um livro que foi falado numa certa época, mas  que  ainda continua  falando.   Os  profetas  sempre  afirmavam:
é esta a substância moral que se compõe o chamado mundo civilizado. Todo o ambiente está contaminado; nós o respiramos a cada momento e bebemos dele juntamente com o leite materno. A cultura e a educação refinam apenas superficialmente essas qualida­des negativas, mas deixam-nas basicamente intactas. Todo um mun­do literário foi criado para defender a tese de que esta é a única maneira normal de se viver. E isso se torna ainda mais estranho quando percebemos que são justamente esses os males que tanto amarguram a existência de todos nós. Todas as nossas preocupações e muitas de nossas mazelas físicas originam-se diretamente dos nossos pecados. O orgulho, a arrogância, o ressentimento, os maus pensa­mentos, a malícia, a cobiça — essas são as fontes de todas as enfer­midades que afligem a nossa carne.
Em um mundo como este, as palavras de Jesus soam de um modo maravilhoso e totalmente novo, como uma visitação do alto. Foi bom que Ele tivesse dito aquelas palavras, porque ninguém poderia tê-lo feito tão bem quanto Ele, e nós deveríamos dar ouvidos à Sua voz. Suas palavras são a essência da verdade. Ele não estava apenas exprimindo Sua opinião; Jesus jamais apresentou opiniões Ele nunca fazia conjecturas; pelo contrário Ele sabia e sabe todas as coisas. Suas palavras não foram, como as de Salomão, a súmula de uma profunda sabedoria ou o resultado de uma cuidadosa obser­vação. Ele falava na plenitude da Sua divindade, e Suas palavras são a própria verdade. Ele era o único que poderia ter dito "bem-aventu­rados", com a mais completa autoridade, pois Ele é o bendito de Deus que veio a este mundo a fim de conferir bênçãos à humanidade. Suas palavras foram apoiadas por feitos mais poderosos do que os de qualquer outra pessoa da Terra. Obedecê-las é prova de grande sabedoria.
Como geralmente acontecia, Jesus empregou o vocábulo "man­sos" numa frase curta e resumida, e só algum tempo depois foi que passou a explicá-lo. No mesmo Evangelho de Mateus, Ele nos fala novamente nessa palavra e aplica-a à nossa vida. "Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Por­que o meu jugo é suave e o meu fardo é leve." (Mt 11:28-30.) Aqui vemos dois conceitos opostos: fardo e descanso. Este fardo não pesava somente sobre aqueles que ali se achavam, mas sobre toda a raça humana. Não se trata de opressão política, nem de pobreza. nem de trabalho árduo. É um problema bem mais complexo do que isso. Os ricos e os pobres o sentem da mesma forma, porque é um estado do qual nem riquezas nem lazeres podem nos libertar.
O fardo que pesa sobre a humanidade é grande e esmagador. O termo empregado pelo Senhor Jesus indica que é um peso que levamos conosco, ou uma fadiga que chega à exaustão. O descanso é simplesmente o alívio que sentimos quando essa carga nos é tirada dos ombros. Não se trata de algo que fazemos, mas de algo que nos é proporcionado, quando deixamos de fazer outra coisa. A Sua pró­pria mansidão — esse é o nosso descanso.
Façamos um exame desse fardo. Ele se localiza em nosso íntimo. Chega primeiramente ao coração e à mente, e atinge o nosso corpo de dentro para fora. Primeiramente há o fardo do orgulho. Nosso esforço para resguardar o amor-próprio é realmente exaustivo. Se procurarmos examinar nossa vida, verificaremos que muitas das nos­sas aflições têm origem no fato de alguém ter falado de modo depreciativo a nosso respeito. Enquanto o homem se considerar um pequeno deus, o qual deve tributar sua lealdade, haverá sempre aqueles que se deleitarão cm afrontar seu ídolo. Como, então, espe­ramos ter paz interior? O veemente esforço que o coração envida para defender-se contra as injúrias, para proteger a sua honra sensí­vel, contra toda opinião desfavorável da parte de amigos e adversá­rios jamais permitirá que sua mente goze paz. Se persistirmos nessa luta, com o passar dos anos, o fardo se tornará simplesmente intole­rável. No entanto, os homens continuam levando essa carga pela vida afora, desafiando cada palavra proferida contra eles, ressentindo-se contra toda crítica, magoando-se profundamente com a mais leve indiferença, revolvendo-se insones cm seus leitos, se outros forem preferidos em lugar deles.
Todavia ninguém é obrigado a carregar um fardo pesado como esse. Jesus nos convida a descansar nEle. e a mansidão é o método aplicado. O homem manso não se importa se alguém for maior do que ele, porque há muito compreendeu que as coisas que o mundo aprecia não são importantes para ele, e não vale a pena lutar por elas. Pelo contrário, desenvolve para consigo mesmo um interessante senso de humor e passa a dizer: "Ah, então você foi esquecido, hein? Passaram você para trás, não é? Disseram até que você é um traste sem importância? E agora você está ressentido porque os outros estão dizendo exatamente aquilo que você mesmo tem dito sobre si? Ainda ontem você disse a Deus que não representa nada, que é apenas um verme que vem do pó. Onde está a coerência? Vamos, humilhe-se, deixe de preocupar-se com o que os homens pensam."
O homem manso não é covarde nem vive atormentado por reconhecer sua própria inferioridade. Pelo contrário, seu espírito é valente como um leão e forte como um Sansão;  porém, deixou de iludir a si próprio. Reconheceu que é correta a avaliação que Deus faz de sua própria vida. Compreende que é fraco e necessitado tal como Deus afirmou que ele é; mas, paradoxalmente, ao mesmo tempo sabe que, aos olhos de Deus, é mais importante que os próprios anjos. Nada representa em si mesmo, mas em Deus, tudo. Esse é o seu lema. Sabe perfeitamente bem que o mundo jamais o verá como Deus o vê, e por isso deixou há muito de importar-se com os con­ceitos dos homens. Sente-se plenamente satisfeito em deixar que Deus restabeleça os seus valores. Aguarda pacientemente o dia em que todas as coisas, serão julgadas, e o seu verdadeiro valor será reconhe­cido por todos. Só então é que os justos resplandecerão no reino de seu Pai. Ele está disposto a esperar esse dia.
Nesse ínterim, terá encontrado descanso para sua alma. Se andar em mansidão, ele ficará satisfeito em permitir que Deus o defenda. |á não precisa lutar para defender o seu "eu", porque encontrou a paz que a mansidão proporciona.
Outrossim, ficará livre do fardo do fingimento. Quando digo fingimento não me refiro à hipocrisia, mas o desejo muito comum no homem de mostrar ao mundo o seu lado melhor, ocultando sua ver­dadeira pobreza e miséria internas. Pois o pecado tem usado conosco de muitas artimanhas traiçoeiras, e uma delas foi incutir em nós um falso sentimento de vergonha. Dificilmente encontramos alguém que queira ser exatamente o que é, sem tentar forjar uma aparência exte­rior para o mundo. O temor de ser descoberto corrói o coração humano. O homem de cultura sente-se perseguido pelo receio de algum dia aparecer um homem mais culto do que ele. O erudito teme encontrar outro mais erudito do que ele. O rico vive preocupado, sempre com receio de que suas roupas, seu automóvel ou sua casa algum dia pareçam baratos em comparação com as posses de outro homem mais rico do que ele. Os motivos que impulsionam a chamada "alta sociedade" não são mais nobres do que esses, e as classes mais pobres, em seu próprio nível, também, não são muito melhores em suas atitudes.
Ninguém deve menosprezar essas verdades. Esse fardo é real, e, pouco a pouco, ele mata as vítimas dessa maneira de viver nociva e antinatural. Esta mentalidade adquirida através dos anos faz com que a mansidão autêntica nos pareça irreal como um sonho, e distante como as estrelas. Ê justamente às vítimas dessa enfermidade corro­siva que o Senhor Jesus diz: "Deveis tornar-vos como criancinhas." Isso porque as criancinhas não fazem comparações dessa natureza, mas alegram-se naturalmente com aquilo que possuem, sem se inco­modar com o que as outras crianças possam ter. Somente quando se tornam maiores, e o pecado começa a afetar seus corações, é que aparecem o ciúme e a inveja. Daí por diante são incapazes de desfru­tar do que possuem, se alguém tiver algo maior ou melhor. E desde essa tenra idade o fardo passa a pesar sobre suas almas, e nunca mais as deixa, até que o Senhor Jesus lhes dê a libertação.
Outro pecado que representa uma carga pesada para o homem é a artificialidade. Estou certo de que a maioria das pessoas vive com um receio íntimo de que algum dia acabarão se descuidando e, talvez, um amigo ou inimigo consiga ver o interior de suas almas vazias e pobres. Dessa forma, elas vivem numa constante tensão. As pessoas mais inteligentes vivem preocupadas e alertas, com medo de serem levadas a dizer algo que pareça vulgar ou estúpido. As via­jadas receiam encontrar algum Marco Polo que lhe fale de algum lugar remoto, onde jamais estiveram.
Essa condição antinatural faz parte de nossa triste herança de pecado; em nossos dias, entretanto, o problema é agravado pelo nosso modo de viver. A propaganda baseia-se quase inteiramente nesse hábito de preocupar-se com a aparência externa. Oferecem-se "cursos" sobre este ou aquele campo do saber humano, os quais apelam claramente para o desejo que a vítima tem de se sobressair. Vendem-se livros, inventam-se vestes e cosméticos, brincando conti­nuamente com esse desejo que o homem tem de parecer o que não é. A artificialidade é uma maldição que desaparece no momento em que nos ajoelhamos aos pés do Senhor Jesus e nos rendemos à Sua mansidão. Daí para a frente não nos incomodaremos com o que as pessoas pensam a nosso respeito, contanto que Deus nos esteja apro­vando. Então o que somos será tudo; e o que parecemos ser descerá na escala de valores das coisas que nos interessam. Afastado o peca­do, nada temos de que nos possamos envergonhar. Somente o nosso desejo de prestígio é que nos faz querer parecer aos outros aquilo que não somos.
O mundo inteiro está a ponto de sucumbir sob esse fardo tre­mendo de orgulho e dissimulação. Ninguém pode ser liberto dessa carga a não ser através da mansidão de Cristo. Uma racionalização inteligente pode ajudar, mas muito pouco, pois esse hábito é tão forte, que, se o abafarmos aqui, ele surgirá mais adiante. Jesus diz a todos: "Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarrega­dos, e eu vos aliviarei. "O descanso oferecido por ele é o descanso da mansidão, aquele alívio bendito que sentimos quando admitimos o que realmente somos, e deixamos de lado todo o fingimento. É pre­ciso bastante coragem a princípio, mas a graça necessária nos será dada, pois veremos que estamos partilhando esse outro jugo com o Filho de Deus. Ele mesmo o chama de "meu jugo", e leva-o ombro a ombro conosco.