terça-feira, 9 de novembro de 2010

Ídolos do coração

Por A. W. Tozer

Em sua caminhada para um conhecimento mais profundo de Deus, o homem atravessa os vales solitarios da pobreza de espírito e da renúncia a todas as coisas. Os que alcançaram a benção de possuir o Reino são aqueles que rejeita-ram todas as coisas materiais, desarraigando do coração todo sentimento de posse. São os "humildes de espírito". Atingiram um estado íntimo comparável a aparência exterior de um mendigo das ruas de Jerusalem; isso é o que realmente significa a palavra "pobre", na afirmação feita por Jesus. Os pobres bem-aventurados são aqueles que já não são mais escravos das coisas, pois quebraram o jugo opressor; e o conseguiram, não lutando, mas entregando tudo ao Senhor. Embora libertos do sentimento de posse, contudo, possuem tudo: "Deles é o reino dos céus"


Abraao já era idoso quando Isaque nasceu. Na verdade, ja tinha idade suficiente para ser seu avô, e o menino imediatamente se tornou um deleite e um ídolo para seu velho pai. Desde o primeiro instante em que se curvou para tomar aquele corpo pequenino e frágil em seus bracos desajeitados, tornou-se escravo do amor intenso que dedicava ao filho. Deus fez questão de mostrar o erro dessa afeição exagerada. E nao é dificil entende-la. O bebe representava tudo que era mais sagrado para o coração de seu pai: as promessas de Deus, as alianças, a esperança dos longos anos de sonhos messiânicos. Ao vê-lo desenvolver-se, desde a mais tenra infância até a adolescencia, o coração do velho foi-se apegando cada vez mais a vida de seu filho, até que finalmente esse sentimento chegou as fronteiras de um terreno espiritualmente perigoso. Foi nessa conjuntura que Deus interferiu, a fim de salvar tanto o pai como o filho das consequências de um amor idolatra.


"Toma teu filho, teu único filho, Isaque", ordenou o Senhor a Abraão, "a quem amas, e vai-te a terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes, que eu te mostrarei" (Gn 22.2). 0 escritor sagrado poupa-nos uma visão detalhada da agonia que Abraão passou naquela noite, nas colinas próximas de Berseba, quando ele teve de solucionar a questão com Deus. Mas, na imaginação, podemos contemplar, com admiração, sua forma encurvada e convulsa a lutar sozinho, sob as estrelas. Antes que outro "maior do que Abraao" viesse ao mundo e agonizasse no jardim do Getsemani, talvez nenhum outro coração humano tivesse experimentado uma dor tão profunda. Se ao menos Deus lhe houvesse permitido morrer em lugar de Isaque . . . Isso lhe teria sido mil vezes mais fácil, ja que atingira idade avançada, e morrer não seria um sacrifício tão grande para quem andara com Deus durante tantos anos. Outrossim, teria tido um último e doce prazer em repousar sua visão já cansada sobre a figura de seu intrepido filho, que viveria para levar adiante a linha abraâmica e cumprir, em si mesmo, as promessas que Deus lhe fizera, haátantos anos, quando ainda se encontrava em Ur dos caldeus.

Como podia ele imolar o jovem? Mesmo que pudesse conseguir o consentimento de seu coração ferido e inconformado, como poderia Abraão conciliar essa atitude de Deus com a promessa que dizia: "... por Isaque será chamada a tua descendencia"? (Gn 21.12.) Essa foi a prova de fogo de Abraão, mas ele não caiu, ao enfrentar esse cadinho de aflição. Enquanto as estrelas ainda resplandeciam como pontas agudas e rebrilhantes, bem acima da tenda onde dormia o jovem Isaque, e muito antes da cinzenta madrugada haver raiado no oriente, aquele velho homem de Deus já tomara a sua resolução. Ofereceria seu filho em holocausto, conforme o Senhor lhe ordenara, e depois confiaria em que Deus o ressuscitaria dos mortos. E essa, no dizer do escritor da epístola aos Hebreus, foi a solução que seu coração sofredor encontrou, durante aquela noite de luta. Assim, ele se levantou "de madrugada", para executar o seu plano. E interessante notar que, apesar de haver-se equivocado quanto ao método que Deus empregaria, ele compreendera perfeitamente o grande mistério do coração divino. E a solução estava integramente de conformidade com as Escrituras do Novo Testamento: "E quem perder a vida por minha causa, achá-la-a".

Deus permitiu que aquele homem sofrido prosseguisse com o plano até o ponto em que provou que não retrocederia mais, e ai então impediu-o de tocar no filho. E ao patriarca perplexo, Deus disse: "Chega, Abraão. Na realidade nunca tencionei que você realmente sacrificasse seu filho. Eu queria apenas remove-lo do santuário de seu coração, para que eu possa reinar ali sem rivais. Desejava corrigir a distorção de seu afeto. Pode ficar com seu filho, são e perfeito. Tome-o e volte para a sua tenda. Agora sei que você teme a Deus, ja que nâo me negou seu filho, seu único filho, a quern voce tanto ama." 

Abriram-se os céus e ouviu-se uma voz que lhe dizia: "Jurei por mim mesmo, diz o Senhor, porquanto fizeste isso, e não me negaste o teu único filho, que deveras te abencoarei e certamente multiplicarei a tua descendencia como as estrelas dos céus e como a areia na praia do mar; a tua descendencia possuirá a cidade dos seus inimigos, nela serão benditas todas as nações da terra: porquanto obedeceste a minha voz." (Gn 22.16-18.)

Agora era uma pessoa totalmente rendida ao Senhor, perfeitamente obediente, um homem que nada possuia além de Deus. Concentrara tudo na pessoa de seu filho querido, mas o Senhor o tomara dele. Deus poderia ter comecado a operar na vida de Abraão, da periferia para o coração; mas preferiu atingir diretamente o coração primeiro, fazendo toda a obra com um golpe subito de separação. Agindo assim poupou tempo e recursos. Foi um método que o feriu cruelmente, mas grandemente eficaz.

Muitas vezes temos reservas quanto a entregar nossos tesouros ao Senhor, por temer pela segurança dos mesmos, principalmente quando esses tesouros são nossos parentes ou amigos muito amados. Todavia, nao precisamos ter medo. O Senhor Jesus não veio para destruir, mas para salvar. Tudo quanto for entregue a ele, fica em perfeita seguranca, pois, na realidade, nada está garantido enquanto não for entregue a Ele.
Todos os nossos dons e talentos também deveriam ser-lhe entregues. Deveríamos considerá-los o que de fato são: empréstimos que Deus nos faz; e nunca propriedade nossa. Não temos nenhum direito de reivindicar os méritos dessas habilidades especiais, tanto quanto não teríamos de reivindicar os de nossas qualidades físicas. "Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido?" (1 Co 4.7.)

Se queremos de fato conhecer a Deus em crescente intimidade, precisamos palmilhar o caminho da renúncia. E, se estamos resolvidos a andar a procura de Deus, mais cedo ou mais tarde ele nos submetera a um teste. O teste pelo qual Abraão passou, no momento em que aconteceu, não foi reconhecido como tal; não obstante, se houvesse tornado um curso diferente daquele que tomou, toda a historia do Velho Testamento teria sido diferente. Sem dúvida, Deus teria encontrado outro homem, mas a perda que Abraão sofreria teria sido trágica. Assim também, nós, um por um, seremos levados a enfrentar um teste, muitas vezes sem sabermos que estamos sendo provados. Neste teste não encontraremos dezenas de opções para nossa escolha, mas somente uma, é sua alternativa. E todo o nosso futuro dependerá da escolha que fizermos.



"Pai, desejo conhecer-te, mas meu coração covarde teme desistir de seus brinquedos. Não posso desfazer-me deles sem sangrar por dentro, e não procuro esconder de ti o terror da separação. Venho tremendo, mas venho. Por favor, extirpa do meu coração todas aquelas coisas que estou amando há tanto tempo, e que se foram tornado parte integrante deste "viverparamimmesmo", a fim de que tu possas entrar e habitar ali sem qualquer rival. Então tornarás glorioso o estado dos teus pés. Meu coração não tem mais necessidade da luz do sol, porquanto tu mesmo será o seu sol iluminador, e ali não haverá mais noite. Em nome de Jesus. Amém".


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