terça-feira, 9 de novembro de 2010

"Leonard Ravenhill - Por que tarda o pleno avivamento"


Conhecido No Inferno

Alguns pregadores dominam bem o assunto de que tratam; outros são dominados por eles. De vez em quando encontramos um que além de dominá-lo bem, também é dominado por ele. Tenho certeza de que o apóstolo Paulo pode ser incluído entre estes.

Vejamos um episódio ocorrido em Éfeso (At 19). Sete homens estavam tentando libertar um endemoninhado, utilizando determinada fórmula religiosa. Mas dirigir termos teológicos e até mesmo versículos bíblicos a um endemoninhado é um método ineficaz de libertação. Seria o mesmo que tentar deslocar a rocha de Gibraltar atirando-lhe bolas de neve. E o homem dominado pelo demônio, apesar de ser um só, subjugou facilmente aqueles tolos. E enquanto os filhos de Ceva saíam correndo para a rua, nus e derrotados, o que estava possesso de um espírito imundo acrescentava ao seu guarda-roupa mais sete vestes. E a imagem dos sete, feridos e amedrontados, já dizia tudo. Mas Deus usou a insensatez deles para glorificar o nome de Cristo, pois por causa desse episódio o nome dele foi engrandecido. Adeptos do espiritismo foram salvos; judeus e gregos se converteram; queimaram-se, em enorme fogueira, livros de artes mágicas, cujo valor chegava a cinqüenta mil moedas de prata. Certamente esse acontecimento fez com que até a ira humana o louvasse (Sl 76.10). E observemos ainda o testemunho do demônio: “Conheço a Jesus, e sei quem é Paulo; mas vós, quem sois?” (At 19.15). Esse é o maior elogio que o inferno pode fazer a alguém: associar seu nome ao de Jesus.

Mas como foi que Paulo se tornou este tipo de cristão? Por que os demônios o conheciam? Já o haviam derrotado também, ou fora ele quem os derrotara? Pensemos um pouco nesse apóstolo. Ele conhecia a Deus intimamente, a ponto de o Senhor lhe fazer revelações. Os anjos o serviam; suas orações provocavam terremotos. Suas palavras, dinamizadas pelo poder do Espírito, estraçalharam os grilhões que acorrentavam uma jovem dominada por espíritos malignos, que era explorada por seus patrões fazendo adivinhações. Em Corinto, esse poderoso homem de Deus ensinou a Palavra e estabeleceu uma igreja, bem à porta do diabo. Mais tarde, conquistou almas na própria casa de César, bem debaixo do nariz do imperador. E sentia-se perfeitamente à vontade até na presença de reis: “Tenho-me por feliz, ó rei Agripa!” Além disso, invadiu os domínios da capital intelectual do mundo com a mensagem da ressurreição, chegando a deixar confusos os seus sábios. Enquanto Paulo viveu, o inferno não teve paz.

Mas qual era a armadura dele? Onde afiava sua espada? Uma expressão que ele emprega várias vezes é: “Estou bem certo”. Esse é o segredo de tudo. Ele se achava dominado pela verdade revelada, como se ela possuísse garras. E a Palavra de Deus, como o próprio Deus, é imutável. O apóstolo estava como que ancorado nas profundezas da fidelidade de Deus. Sua arma era a Palavra do Senhor; sua força era a fé que depositava na Palavra, Então o Espírito o alertava a respeito da estratégia que o diabo iria utilizar contra ele. Paulo estava sempre ciente de seus estratagemas. E assim o inferno se desesperava. Mesmo numa ocasião em que alguns homens tencionavam assassiná-lo, alguém descobriu a trama, e assim os demônios e homens viram seu plano frustrado.

Estar salvo do inferno e livre de cometer os pecados mais grosseiros é muito bom, mas, a meu ver, é uma condição espiritual muito elementar. Quando Paulo foi à cruz de Cristo, experimentou o milagre da regeneração e da conversão. Mas, depois, quando foi crucificado com Cristo, conheceu um milagre maior, o da identificação. Acredito ser esse o mais forte argumento do apóstolo — estar morto e vivo, ao mesmo tempo. “Porque morrestes”, diz Paulo aos colossenses. Vamos aplicar isso à nossa vida. Nós já morremos? Já morremos para as acusações e para os elogios? Morremos para o que ocorre no mundo, para as opiniões humanas? Morremos a ponto de não fazer mais caso do reconhecimento dos outros? Morremos de tal modo que não protestaremos se alguém receber os louvores por algo que foi idéia nossa? Ah que sublime, doce e gratificante experiência essa, de termos Cristo vivendo em nós por meio de seu Espírito! E assim podemos cantar como Wesley:

“Morri para o mundo e seus prazeres

Para sua inútil pompa e gozo passageiro!

Jesus, sê minha glória!”

E, Paulo havia morrido. Mas depois acrescenta: “Já não sou eu quem vive”. O cristianismo é a única religião do mundo cujo Deus vive dentro daquele que crê nele. E Paulo já não lutava mais contra a carne (nem contra a sua, nem a dos outros). Sua luta agora era contra “os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso”. Será que isso explica por que aquele demônio disse: “e sei quem é Paulo!” É que o apóstolo estivera lutando contra as potestades demoníacas. (Em nossos dias, essa arte de ligar e desligar que Paulo dominava tão bem está quase esquecida, ou totalmente ignorada). E ao dar a última volta de sua corrida terrena, ele afirmou: “Combati o bom combate”. Os demônios devem ter dito “amém” a essa declaração, pois sofreram mais com Paulo do que o apóstolo com eles. É verdade. Paulo era conhecido no inferno.

Outro fator que o levava a ser tão destemido era o conhecimento que tinha da ira de Deus para com o pecado. “E assim conhecendo o temor do Senhor, persuadimos aos homens”. (2Co 5.11). Paulo via o pecador como um perdido! Outro dia vi alguém projetar um eslaide numa tela, mas a imagem estava embaçada, e não dava para identificar nada. Mas aí o operador acertou o foco e como a imagem melhorou! Assim também, nós, os crentes, estamos precisando enxergar com clareza o estado de perdição em que se encontram os homens, pois nossos olhos se acham embaçados com relação à eternidade. É preciso que Deus acerte o foco de nossa visão.

Paulo amava a Deus com perfeito amor e por isso odiava o pecado com ódio ferrenho. Por isso também via as pessoas não apenas como meros pródigos, mas também como rebeldes contra Deus; não apenas como se afastados da retidão, mas como conspiradores, aliados com a iniqüidade, que teriam de ser castigados ou então perdoados. E ele atacava a impiedade dos que se achavam subordinados às potestades demoníacas, com a intensidade do ardente fogo do amor. Sua senha era: “Uma coisa faço”. Ele não tinha interesses secundários, nem livros para vender. Não tinha ambições pessoais, por isso não tinha nada para zelar. Não tinha reputação, logo não tinha que lutar para defendê-la. Não possuía bens; portanto não tinha nada com que se preocupar. Não tinha direitos, então não havia motivos para se julgar vítima de injustiças. Já era falido; quem poderia roubar dele? Estava “morto”, quem poderia matá-lo? Era menor do que os menores; portanto ninguém conseguiria humilhá-lo. Perdera todas as coisas, logo ninguém poderia lográ-lo. Será que isso explica melhor por que o demônio disse: “E sei quem é Paulo?” O inferno deve ter tido muita dor de cabeça com esse homem cheio de Deus.

E havia ainda outra âncora, na qual se firmava esse grande homem de Deus: a eficácia do sangue de Jesus e sua capacidade de salvar totalmente. “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus”. Verdade, mas Cristo pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus. Que o mundo possa vir a conhecer esse Cordeiro que opera tão perfeita expiação! Para Paulo a expiação não era algo limitado. Fora zelote e continuava a ser. À luz de um inferno eterno de que valeriam os efêmeros bens terrenos?

E em nossos dias também, de que valem as honrarias humanas? Ou os planos do inferno? Neste momento os homens estão tão perdidos como estarão depois que morrerem. Neste momento, a alma deles está sendo arrastada para um redemoinho de terrível iniqüidade, que por fim os precipitará no inferno eterno. Isso é verdade? Paulo estava convicto de que o era. Então, “Desperta, desperta, arma-te de força, braço do Senhor” (Is 51.9). E posso até ouvir Paulo dizer: “Faz de mim tua espada, teu armamento de guerra”.

Outra verdade sobre a qual Paulo se apoiava era a bendita certeza de que “deixar o corpo” era “habitar com o Senhor” (2Co 5.8). Para ele não há o sono da alma, nem aquele interminável estado intermediário, nada disso. Sair de uma vida é entrar logo na outra. Ante a idéia da eternidade, a linguagem era falha, e a imaginação claudicava. E ele considerava as chicotadas, as cadeias, os jejuns, cansaços e dores como uma “leve e momentânea tribulação”, que seria compensada pelo fato de que “estaremos para sempre com o Senhor”. Os demônios desperdiçaram sua munição contra Paulo. Portanto, é de se admirar que um deles tenha dito “e sei quem é Paulo?”

E a última verdade sobre a qual o apóstolo ancorava sua alma era: “Porque importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo” (2Co 5.10). O fato de ele viver sempre com os olhos fixos nos valores eternos fez com que essa prova final também perdesse seu aguilhão. Vivendo da maneira certa aqui na terra (e não me refiro apenas em viver retamente, mas segundo o padrão proposto na Palavra de Deus), resolve-se o problema do além. Paulo se tornara tão semelhante ao Filho que podia dizer: “O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai” (Fp 4.9). De um modo geral, é meio arriscado imitar uma cópia. Mas no caso de Paulo não, pois ele se achava plenamente rendido a Cristo, santificado e satisfeito, isto é, “aperfeiçoado em Cristo”.

Será que alguém ainda acha estranho um demônio haver dito “e sei quem é Paulo?” Eu não.

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