sábado, 26 de novembro de 2011

Graça Livre ou Graça Forçada?

Graça Livre ou Graça Forçada?

Por Steve Witski




Em seu bem conhecido sermão “Graça Livre,” John Wesley disse que a “graça ou amor de Deus, a fonte de nossa salvação, é LIVRE EM TODOS, e LIVRE PARA TODOS” [Works, 7:373]. Neste sermão ele respondeu diretamente aos professores calvinistas da época que ensinavam que a graça amorosa de Deus não é livre para todos mas irresistivelmente forçada sobre apenas alguns – os eleitos. Wesley acreditava que as Escrituras não apoiavam tal ensino.

Assim como nos dias de Wesley, os calvinistas de hoje em dia ensinam que a graça de Deus não é livre para todos mas forçada sobre apenas alguns. Alguns de meus irmãos calvinistas objetariam ao uso da palavra “forçar” para descrever a obra irresistível da graça de Deus sobre os corações dos eleitos. Todavia, me parece que estou justificado em usar tal palavra já que os calvinistas usam o equivalente dela em seus textos. Isto se tornará mais claro conforme avançarmos pelo artigo.

Os calvinistas apelam tipicamente para a graça irresistível de Deus a partir de Jo 6.44, “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.” O teólogo reformado R. C. Sproul diz que este versículo “ensina pelo menos isto: Não está dentro da capacidade natural do homem decaído vir a Cristo por si próprio, sem algum tipo de assistência divina” [Eleitos de Deus, p. 50]. Podemos ver que Wesley está de completo acordo com a afirmação de Sproul quando escreve, “O livre-arbítrio natural, no presente estado da humanidade, eu não reconheço; eu somente afirmo que há uma medida de livre-arbítrio sobrenaturalmente restaurada em cada um, junto com aquela luz sobrenatural que ‘ilumina a todo o homem que vem ao mundo’” [Works, 10:229-30].

Wesley ensinava que essa assistência divina era absolutamente necessária para cada pessoa vir a Cristo em fé. Esta assistência graciosa vem antes ou preveniente a cada movimento do homem em direção a Deus. A humanidade é incapaz de fazer o menor movimento em direção a Cristo em sua condição caída sem que Deus primeiro tome a iniciativa amorosa e redentora.

O desacordo entre calvinistas e arminianos seria sobre o significado da palavra trouxer em Jo 6.44; se este trazer ou assistência divina é irresistível ou resistível, e se ele se estende a todas as pessoas como sugere Jo 12.32, ou apenas a algumas pessoas. Precisamos ter em mente que há uma enorme diferença entre ser irresistivelmente compelido ou forçado a crer em Cristo e ser graciosamente capacitado a crer.

A posição de Sproul é óbvia de suas seguintes palavras: “O Dicionário Teológico do Novo Testamento, de Kittel, define-a como significando compelir por irresistível superioridade. Lingüisticamente e lexicograficamente, a palavra significa ‘compelir.’” [Eleitos de Deus, p. 51; Grace Unknown, p. 153]. Ele ainda argumenta em favor deste significado apelando a dois textos adicionais: Tg 2.6 e At 16.19. Ele chama a atenção que ambos os textos traduzem a palavra grega helkuo como “arrastar” e portanto Jo 6.44 não pode significar cortejar ou persuadir amorosamente como alguns arminianos afirmam [p. 69].   

Outro teólogo reformado, Loraine Boettner, estaria de acordo com Sproul como se vê como ele insere as seguintes palavras em Jo 6.44: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer [literalmente, arrastar]” [The Reformed Faith, p. 11].

O calvinista Robert W. Yarbrough apresenta o mesmo argumento que Sproul só que com mais detalhes. Ele escreve,   


“Trazer” em 6.44 traduz o grego helkuo. Fora de João ele aparece no Novo Testamento somente em At 16.19: “prenderam Paulo e Silas, e os levaram à praça....” O Evangelho de João usa a palavra para falar de pessoas sendo atraídas a Cristo (12.32), uma espada sendo desembainhada (18.10), e uma rede cheia de peixes sendo puxada ou arrastada para a praia (21.6, 11). A forma relacionada de helko aparece em At 21.30 (“o arrastaram para fora do templo”) e Tg 2.6 (“Porventura não vos oprimem os ricos, e não vos arrastam aos tribunais?”). É difícil evitar a impressão de que Jo 6.44 refere-se a uma “atração vigorosa” ao trazer os pecadores ao Filho [“Divine Election in the Gospel of John,” em Still Sovereign, p. 50, n. 10].

Há alguns problemas com a abordagem tanto de Yarbrough quanto de Sproul no entendimento da palavra trazer em Jo 6.44. O primeiro é que seu método de olhar para helkuo é um exemplo de uma falácia de estudo da palavra conhecida como “carregar-palavra.” Isto ocorre quando uma pessoa pega o significado de uma palavra em um contexto e então busca aplicar esse mesmo significado em um contexto diferente. Ambos fazem isto quando apelam para o uso de helkuo em Tg 2.6, At 16.19 e outras passagens, como justificativa para entender Jo 6.44 como significando arrastar ou forçar.

Em segundo lugar, embora Yarbrough não cita nenhuma obra de referência para apoiar as suas conclusões, Sproul pelo menos cita uma, o Dicionário Teológico do Novo Testamento, de Kittel [TNDT]. Após pesquisar a definição no “Grande” Kittel por mim mesmo, fiquei surpreso ao descobrir que ela não concorda com a definição de Sproul de trazer. Albrecht Oepke comenta que no uso de João da palavra helkuo “força ou magia pode ser desconsiderada, mas não o elemento sobrenatural” [TDNT, 2:503]. Contudo, para a definição de Sproul se sustentar, o uso de João deve significar compelir ou forçar. Quando me virei para descobrir o que o “Pequeno” Kittel (a edição condensada em um volume da imensa obra de dez volumes de Kittel) tinha a dizer sobre “trazer,” fiquei chocado com o que ele tinha a dizer em comparação com as afirmações dogmáticas de Sproul. Aqui está o comentário completo conforme traduzido e condensado por Geoffrey Bromiley:   

O significado básico é “trazer,” “arrastar” ou, no caso de pessoas, “compelir.” Ele pode ser usado para “atrair” para um lugar por magia, para demônios sendo “puxados” à vida animal, ou para a influência interior da vontade (Platão). O mundo semítico tinha o conceito de uma atração irresistível de Deus (cf. 1Sm 10.5; 19.19ff; Jr 29.26; Os 9.7). No Antigo Testamento helkein denota um impulso poderoso, como em Ct 1.4, que é obscuro mas expressa a força do amor. Este é o ponto nas duas importantes passagens em Jo 6.44; 12.32. Não há nenhuma idéia aqui de força ou magia. O termo figuradamente expressa o poder sobrenatural do amor de Deus ou Cristo que sai para todos (12.32) mas sem o qual ninguém pode vir (6.44). A aparente contradição mostra que ambas a eleição e a universalidade da graça devem ser entendidas com seriedade; a compulsão não é automática [p. 227].

O quê? A compulsão não é automática? Mas isto é exatamente o que Sproul e outros calvinistas afirmam que helkuo significa em Jo 6.44 – Deus literalmente e irresistivelmente compele, arrasta ou força os eleitos a virem a Cristo. Sim, helkuo pode literalmente significar arrastar, compelir ou forçar em certos contextos (Jo 18.10; 21.6, 11; At 16.19; 21.30; e Tg 2.6), mas não é o significado lexical para o contexto de Jo 6.44, nem, a propósito, Jo 12.32. Sproul confiantemente afirma que “lingüisticamente e lexicograficamente, a palavra significa compelir,” mas onde está a citação de toda a evidência lexical para apoiar esta afirmação?

O Significado Lexical da Palavra “Trazer” em Jo 6.44 e 12.32

Fiz uma pesquisa em todo Léxico, Dicionário Exegético e Dicionário Grego-Ingles disponível, que eu pude encontrar em livrarias, Seminários e bibliotecas de Faculdade que tenho acesso. Aqui está uma amostra da evidência:

A Greek-English Lexicon of the New Testament and other Early Christian Literature diz que helkuo é usado figuradamente “da atração sobre a vida interior do homem… atrair, seduzir, Jo 6.44” [Bauer, Arndt, Gingrich, Danker, p. 251].

The Analytical Lexicon to the Greek New Testament afirma que helkuo é usado metaforicamente para “atrair mentalmente e moralmente, Jo 6.44; 12.32” [William Mounce, p. 180].

The Greek-English Lexicon to the New Testament tem “metaforicamente, atrair, isto é, seduzir, Jo 12.32. Cf. Jo 6.44” [W. J. Hickie, p. 13].

The Analytical Lexicon of the Greek New Testament de Timothy Friberg, Barbara Friberg e Neva F. Miller diz “figuradamente, de uma forte atração na vida mental e moral, atrair, seduzir (Jo 6.44)” [p. 144].

O calvinista Spiros Zodhiates, em seu Hebrew-Greek Key Study Bible, diz que “helkuo é usado de Jesus na cruz atraindo por Seu amor, não pela força (Jo 6.44; 12.32)” [New Testament Lexical Aids, p. 1831].

O que é irônico em toda esta discussão é que a definição acima coincide maravilhosamente com a doutrina wesleyana-arminiana da graça preveniente – uma doutrina que R. C. Sproul nega que a Bíblia ensina [pp. 91-93]. Os wesleyanos-arminianos acreditam que a graça divina opera nos corações e vontades de cada pessoa para induzir uma resposta de fé ou como Thomas Oden afirma tão bem, “O amor de Deus capacita precisamente aquela resposta no pecador que a santidade de Deus exige: confiança na própria auto-entrega de Deus” [The Transforming Power of Grace, p. 45].

A graça preveniente ou assistente de Deus está moralmente atraindo todas as pessoas a Si mesmo (Jo 12.32). Esta obra graciosa de Deus não compele ou força alguém a crer mas capacita todos a responder aos comandos de Deus para desviarem-se do pecado em arrependimento, e em direção ao Salvador Jesus Cristo em fé. Dessa forma, com o mesmo vigor do Calvinismo, a salvação pode ser atribuída completamente a Deus, mas sem negar a responsabilidade humana genuína que o Calvinismo nega.

O que também é irônico é que o entendimento de Wesley de “trazer” em sua Notas Explicativas sobre o Novo Testamento está completamente de acordo com a evidência lexical que já observamos. Ele diz de Jo 6.44: “Ninguém pode crer em Cristo, a menos que Deus o dê capacidade. Ele nos atrai primeiramente pelos bons desejos, não pela compulsão, não por colocar a vontade sob alguma necessidade, mas pelos fortes e amáveis, todavia ainda resistíveis movimentos de Sua graça divina” [pp. 328-329].

Jesus disse em Mt 16.24, “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me.” Wesley respondeu a estas palavras com... “Ninguém é forçado; mas se alguém quiser ser um cristão, deve ser nestes termos. Renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz – Uma regra que nunca é demais observá-la” [Notas Explicativas, p. 83]. No final da Parábola do Grande Banquete no evangelho de Lucas, Jesus disse, “E disse o senhor ao servo: Sai pelos caminhos e valados, e força-os a entrar, para que a minha casa se encha” (14.23). A isto Wesley respondeu, “Força-os a entrar – Com toda a violência do amor, e a força da Palavra de Deus. Esta compulsão, e esta somente, em questões de religião, foi usada por Cristo e Seus discípulos” [Notas Explicativas, p. 258]. O argumento de Paulo encontrado em At 17.24-28, que Deus Se revelou através de Sua criação e cuidado providencial para que as pessoas “buscassem ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar,” é interpretado por Wesley como significando: “O caminho está aberto; Deus está disposto a ser encontrado, mas Ele não usará a força sobre o homem” [Notas Explicativas, p. 465]. Quando Paulo se defendeu diante do Rei Agripa em Atos capítulo vinte e seis ele disse estas palavras, “Por isso, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial [de Cristo na estrada para Damasco]” (v. 19). Wesley comentou, “Não fui desobediente – Eu obedeci; usei esse poder (Gl 1.16). De forma que até esta força pela qual São Paulo foi influenciado não era irresistível” [Notas Explicativas, p. 501]. Em resposta às palavras familiares encontradas em 1Tm 2.3, 4, Wesley diz, “...quer que todos os homens se salvem. É estranho que qualquer um que Ele verdadeiramente salvou duvide da universalidade de Sua graça! Quer seriamente que todos os homens – Não uma parte apenas, muito menos a menor parte. Se salvem – Eternamente. Isto é tratado nos versículos 5 e 6. E a fim de que venham – Eles não são compelidos. Ao conhecimento da verdade – Que traz salvação” [Notas Explicativas, p. 774, 775]. Em Apocalipse capítulo dois Jesus diz que ele dá a uma falsa profetisa na Igreja de Tiatira “tempo para que se arrependesse da sua prostituição”, todavia “não se arrependeu” (v. 21). As notas de Wesley dizem, “E dei-lhe tempo para que se arrependesse – Tão grande é o poder de Cristo! E não se arrependeu – Assim, embora o arrependimento seja dom de Deus, o homem pode recusá-lo; Deus não irá compelir” [Notas Explicativas, p. 948].

Ser um arminiano é ser, como Wesley disse, um amante da graça livre. Todas as pessoas compartilham da graça livre e capacitante de Deus. Por essa razão, Deus pode justamente conceder a vida eterna ou a morte eterna dependendo de como as pessoas usam sua liberdade capacitada pela graça. O Calvinismo não tem a palavra “trazer” de Jo 6.44 para usar em seu favor para ensinar suas doutrinas da predestinação e da graça irresistível. Por outro lado, os wesleyanos-arminianos têm a evidência lexical em seu favor para ensinar que a “graça ou amor de Deus, a fonte de nossa salvação, é LIVRE EM TODOS, e LIVRE PARA TODOS.” Vamos, no poder do Espírito de Deus, poderosamente proclamar esta verdade bíblica em nossas igrejas hoje.


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