segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Removendo o Véu

Por A. W. Tozer - "À Procura de Deus"

Deus nos criou para seu prazer, e nos formou de modo que nos juntamente com ele, possamos, em divina comunhao, usufruir daquela doce e misteriosa uniao de personalidades gêmeas. Sua finalidade foi que o víssemos e vivêssemos com ele, captando a vida de seu olhar. Nós, porém, participamos daquela "revolta horrenda" a que se refere Milton, ao descrever a rebeldia de Satanás e suas hostes. Rompemos com Deus. Deixamos de obedecê-lo e amá-lo, e, por nos sentirmos culpados e temerosos, estamos sempre fugindo da sua presença.


Toda a obra de Deus, na redenção, tem por finalidade desfazer as trágicas consequências dessa calamitosa rebelião, levando-nos de volta a um relacionamento correto e eterno com Ele. Isso exigia que o problema do nosso pecado fosse resolvido de modo a satisfazer a justiça, para que pudéssemos ser plenamente reconciliados, e nos fosse aberto o caminho para voltarmos a uma comunhão consciente com Deus, a fim de vivermos novamente em sua presença. Assim, através da atuação do Espírito Santo em nosso íntimo, Deus desperta em nós o desejo de voltar para ele. Isso se faz sentir inicialmente pela falta de paz em nosso coração, o qual passa a experimentar um profundo anseio pela presença de Deus, e entao dizemos a nós mesmos: "Levantar-me-ei e irei ter com meu pai." (Lc 15.18.) Esse é o primeiro passo, e conforme disse o sabio chines Lao-tze: "Uma viagem de mil milhas começa com o primeiro passo."


O mundo está perecendo por não conhecer a Deus, e a Igreja padece fome espiritual por não contar com a sua presença. A maioria de nossos males religiosos seria curada instantaneamente se entrássemos na presença divina, em autentica experiencia espiritual, tornando-nos subitamente conscios de que estamos em Deus e de que Deus esta em nos. Isso nos tiraria de nossa lamentável estreiteza de espírito, e expandiria os nossos coracões. Consumiria no fogo as impurezas existentes em nossa vida, como os insetos e os fungos da sarça ardente foram queimados pelo fogo que nela crepitava.


Que grandeza infinita, e que oceano inexplorado é o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é eterno, o que significa que antecede o tempo e vive inteiramente independente do mesmo. O tempo começou com ele, e com ele terminará. Deus não paga tributo ao tempo, nem dele sofre qualquer variação. Ele é imutável, o que quer dizer que ele nunca mudou nem jamais poderá mudar em coisa alguma. Para mudar, teria que piorar, ou melhorar. Mas não pode fazer nem uma nem outra coisa, pois, sendo perfeito, não pode tornar-se mais perfeito ainda, e se tivesse de tornar-se menos perfeito, seria menos que Deus. Ele é onisciente, o que equivale a dizer que conhece, com um ato livre e sem esforéo, toda a materia, todo o espirito, todas as relações e todos os acontecimentos. Ele não tem passado, nem futuro, Ele é, e nenhum dos termos qualificadores, limitadores, usados acerca das criaturas, aplica-se a Ele. Dele são o amor, a misericórdia e a justiça, e uma santidade tão inefável que nenhuma comparação ou figura pode expressar.

Somente o fogo fornece uma pálida idéia de sua santidade. Foi em chamas de fogo que ele apareceu na sarça ardente; na coluna de fogo ele habitou durante a longa jornada pelo deserto. O fogo que brilhava entre as asas dos querubins, no Santo dos Santos, era chamado de "glória" da presença divina, durante todos os anos de glória da História de Israel; e, quando o Antigo cedeu lugar ao Novo, ele veio, no Pentecoste, em forma de línguas de fogo, cada uma das quais pousou sobre um discipulo.

Spinoza escreveu acerca de amar a Deus intelectualmente, e existe um pouco de verdade no que ele disse; mas o amor mais excelente do homem para Deus nao é o intelectual, e, sim, o espiritual. Deus é Espirito., e só o espírito do homem pode realmente conhecê-lo. No mais profundo do espírito do homem deve crepitar a chama desse amor, pois do contrário não existirá ali um verdadeiro amor a Deus. Os grandes do reino de Deus tem sido aqueles que amam a Deus mais do que os outros. Todos sabemos quem são eles, e lhes prestamos tributo com satisfação, devido a intensidade e sinceridade de sua devoção ao Senhor. Se apenas pensarmos em seus nomes, a lembrança nos evocará perfumes como mirra, aloés e cássia, vindos de palácios de marfim.

Os corações que "estao cheios de amor a Deus são os que se demoram na presença divina e contemplam de olhos bem abertos e atentos a majestade do Senhor. Os homens cujo coração abriga tal amor, possuem uma qualidade especial que os torna desconhecidos ou incompreendidos pelos outros. Geralmente, falam com grande autoridade espiritual. Tendo estado na presença de Deus, anunciam o que viram ali. Eles tem sido profetas, e não escribas, pois o escriba fala do que leu, mas o profeta fala do que viu!


A resposta que geralmente se ouve, de que simplesmente estamos "frios", nao esclarece os fatos. Há algo que é muito mais sério do que a frieza de coração; algo que pode estar por baixo dessa frieza e que talvez seja a sua causa. 0 que é? Que poderia ser senão a presença de um véu em nossos corações? Um véu que não foi retirado com o primeiro, mas que continua ali, barrando o caminho da luz e escondendo de nós a face de Deus? Trata-se do véu de nossa antiga e decaída natureza, que continua bem viva, em nosso íntimo, sem ser condenada, sem haver passado ainda pela crucificação e pelo repúdio total. Trata-se do véu compacto de uma vida egocêntrica, que nunca quisemos realmente reconhecer como tal, da qual intimamente nos sentimos envergonhados, e por isso mesmo nunca a trazemos perante o tribunal da cruz. Esse véu escuro não é por demais misterioso, nem é difícil de ser identificado. Temos tão-somente de sondar nosso proprio coração, e o acharemos ali; costurado, remendado e consertado, talvez, mas sempre presente — um inimigo de nossa vida, um verdadeiro obstáculo no caminho de nosso crescimento espiritual.


Sei que esse veu não é nada bonito, nem tampouco nos agrada falar a respeito dele. Dirijo-me, porém, as almas sedentas que estão resolvidas a seguir a Deus, e creio que elas não retrocederão, somente porque o caminho temporariamente as levará por montes sombrios. O seu anseio por Deus afirma que continuarão a procura do Senhor. Enfrentarão os fatos, por mais desagradáveis que sejam, e suportarão a cruz em face da alegria que lhes esta proposta. Por isso, animo-me a apontar os fios que formam a textura desse véu da alma.

Não esqueçamos isto: quando se fala em rasgar o véu, fala-se figuradamente, e a idéia se nos torna poética e quase agradável; em realidade, entretanto, nada há de agradável nisso. Na experiência humana, esse veu é feito de um tecido espiritual vivo; compõe-se da substância sensível que também permeia todo o nosso ser, e tocar no mesmo é tocar em nosso ponto mais doloroso. Rasgá-lo, é despedaçar-nos, é ferir-nos e fazer-nos sangrar. Falar de modo diferente é fazer com que a cruz nem seja cruz, que a morte nem morte seja. Nunca foi divertido morrer. Despedaçar o tecido delicado e suscetível de que consiste a vida, jamais podera dar-nos outra sensação que não a de dor aguda e profunda. Não obstante, foi justamente isso que a cruz fez a Jesus, e é o que a cruz fará a todo o filho de Deus, que quiser ser liberto do "eu".

Tenhamos o cuidado de não subestimar a importância da vida espiritual, achando que nós mesmos podemos rasgar o véu. Deus é quem deve fazer tudo em nosso lugar. Nossa parte consiste em ceder e confiar. E necessário que confessemos, abandonemos e repudiemos uma vida autodirigida, e passemos a considera-la crucificada. Urge, entretanto, distinguir entre uma "aceitação" ociosa e uma verdadeira operação de Deus. Devemos perseverar até que a obra seja realizada. Não ousemos nos contentar com uma doutrina certinha de autocrucificação. Isso seria imitar a Saul, que poupou as melhores ovelhas e vitelas.

A cruz é rude e mortal, mas tambem é eficaz. Não conserva sua vítima ali pendurada para sempre. Chega o momento em que sua obra termina, e a vítima morre. Após isso vem a ressurreição, em glória e poder, e a dor é esquecida em face da alegria de haver sido removido o véu, e de termos, numa experiência real do espírito, chegado até a presença do Deus vivo.

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